A Colômbia vai suspender seu cessar-fogo com o Estado-maior Central (EMC), guerrilha dissidente das Farc, em três províncias a partir de quarta-feira (20), segundo um decreto do governo Petro no último domingo (17), citando incidentes de violência no fim de semana que motivaram o rompimento da trégua.
O decreto, assinado pelo ministro da Defesa, Fernando Botero Zea, exige o “reinício das operações militares” a partir de 20 de março nos departamentos (estados) de Nariño, Cauca e Valle del Cauca, onde o EMC teria violado os termos do cessar-fogo.
No sábado, um grupo armado raptou um menor de idade em uma área rural de Toribío, em Cauca, denunciou a autoridade indígena do município em um comunicado.
“A comunidade se mobilizou para resgatar o integrante da comunidade, conseguindo libertá-lo e imobilizar o veículo onde estava ocorrendo o sequestro. A resposta desses criminosos foi disparar indiscriminadamente contra a comunidade”, afirmou.
Uma mulher de 52 anos identificada como Carmelina Yule foi baleada no rosto e morreu mais tarde no hospital, segundo moradores do local. Um indígena também ficou ferido, denunciou a representante na Colômbia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Juliette de Rivero, que condenou o ataque.
Segundo o decreto, os membros do grupo dissidente das Farc atacaram civis, autoridades locais e forças de segurança, “demonstrando pouca disposição para a paz” e levando à necessidade de intervenção.
O cessar-fogo entre Bogotá e o EMC entrou em vigor em outubro de 2023, com prazo para terminar em janeiro de 2024, mas foi havia sido prorrogado até 15 de julho.
“O EMC, em suas diferentes frentes, não deu nenhum sinal desde o início de querer um processo de paz sério. Acreditava, de forma muito equivocada, que a negociação era para se fortalecer militarmente e que seu fortalecimento se baseava em submeter a população a suas estruturas e se financiar com a economia ilícita e com o grande capital ilícito”, disse o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, em seu perfil no X.
Apesar do cessar-fogo bilateral, a guerrilha e outros grupos armados frequentemente lutam entre si pelo controle de fluxos de renda ilícitos, como o tráfico de drogas e a mineração ilegal.
O EMC se esqueceu “da famosa tese de Marx de que os seres humanos pensam de acordo com suas condições materiais de existência. Se eu viver da renda do tráfico de drogas, acabarei pensando como um traficante de drogas”, afirmou Petro.
O presidente colombiano, no entanto, reconheceu que não foram todas as frentes do EMC que desrespeitaram o acordo de paz e lamentou eventuais mortes após o fim do cessar-fogo. “O governo não pode permitir que o EMC, como os antigos escravagistas espanhóis, pense que é válido matar indígenas e pobres nos territórios da Colômbia”, disse Petro.
O EMC rejeita o acordo de paz de 2016 assinado pelas Farc. Em 2023, em uma tentativa de encerrar sua participação nos 60 anos de conflito armado na Colômbia, o EMC iniciou negociações com o governo de Petro. O anúncio do fim do cessar-fogo no último domingo não mencionou, entretanto, nenhum efeito sobre as negociações de modo geral.
É promessa de campanha e uma das principais ambições de Petro, primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia, encerrar o conflito armado perene no país por meio de negociações ou acordos de rendição com grupos armados —ele mesmo foi um guerrilheiro no passado.
Um dos principais líderes do EMC, no entanto, disse em entrevista recente à agênicia Reuters que achava que seria difícil chegar a um acordo de paz antes do final do mandato de Petro, em 2026, e que seria necessário o apoio mais amplo da sociedade civil colombiana para que a estratégia obtenha sucesso.
Entrelaçado a isso, a percepção de que a situação de segurança no país tem se deteriorado nos últimos meses dificulta o plano de Petro, cujo governo de menos de 2 anos tem lidado com sucessivas crises —quando elas não têm origem na sua família, como no caso de seu filho, Nicolás, preso e acusado de lavagem de dinheiro.
No final de fevereiro, o Exército de Libertação Nacional (ELN), outra guerrilha colombiana, congelou os diálogos de paz com o governo, afirmando que Bogotá violou acordos feitos até ali ao iniciar o que chamou de “diálogos regionais” no departamento de Nariño.