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Os líderes da China, Japão e Coreia do Sul se encontraram para uma cúpula trilateral pela primeira vez em quatro anos. A reunião aconteceu em Seul nesta segunda (27) e contou com a participação do presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, e os premiês da China, Li Qiang, e Japão, Fumio Kishida.
Na declaração divulgada à imprensa, os três países informaram que os líderes discutiram estratégias para ampliar o comércio e o investimento, fortalecer cadeias de produção e promover a estabilidade regional.
Entre os temas contenciosos estavam a aproximação de Seul e Tóquio com os EUA, a liberação da água radioativa das usinas de Fukushima no Oceano Pacífico e a irritação chinesa com o sistema antimísseis americano instalado na Coreia.
Li Qiang destacou o quão interligadas estão as indústrias dos três países e pediu um trabalho conjunto para impedir que “questões políticas e de segurança” interfiram na estabilidade dos mercados locais.
Ainda neste tema, Seul, Pequim e Tóquio prometeram descongelar negociações para o estabelecimento de um tratado de livre comércio. A ideia é frequentemente posta à mesa, mas as tratativas estão paralisadas desde 2019. A declaração conjunta fala em um tratado “livre, justo, abrangente, de alta qualidade e mutuamente benéfico”.
Por que importa: nenhuma das razões que fizeram a China se afastar de Japão e Coreia do Sul apresentaram mudanças significativas que acalmassem os chineses.
Ao contrário, ao longo dos últimos quatro anos, os EUA se aproveitaram da divisão para atrair Tóquio e Seul para uma iniciativa conjunta com o claro propósito de avançar os interesses americanos na região do Indo-Pacífico.
Desde então, Washington estuda incluir os dois países asiáticos no Pilar 2 do AUKUS, o acordo da Austrália, Reino Unido e EUA com foco no desenvolvimento de tecnologia militar.
Portanto, é provável que a cúpula trilateral seja resultado de um entendimento chinês de que o distanciamento regional não deu frutos. Na verdade, jogou duas das maiores economias asiáticas no colo dos americanos e minou os interesses da China na região.
Pare para ver
“Oito Imortais Daoístas Cruzando o Mar”, tela do pintor japonês Senrei Hata concluída em 1915. A tela é frequentemente usada como um exemplo da influência chinesa sobre a arte de países vizinhos. Hata era conhecido por retratar temas da China em seus trabalhos, usando técnicas chinesas na reprodução da natureza.
O que também importa
★ Um ex-fuzileiro britânico acusado de trabalhar como espião para Hong Kong foi encontrado morto na terça (21) em Londres. Matthew Trickett foi preso na semana passada acusado de conspirar com outros dois honcongueses para minar a segurança nacional do Reino Unido. Ele foi liberado sob fiança e apareceu morto em um parque na zona oeste da capital britânica. O advogado de Trickett, Juan Hayes, disse à imprensa que estava “chocado” com a notícia e se recusou a dar mais detalhes sobre o ocorrido. A polícia londrina informou que não há indícios de que a morte tenha ocorrido em circunstâncias suspeitas, embora não tenha detalhado a causa até agora.
★ A China anunciou uma expansão bilionária no seu fundo de investimento para estimular a indústria de semicondutores nacional. A nova rodada do Fundo de Investimento da Indústria de Circuitos Integrados Nacionais recebeu ¥ 344 bilhões (R$ 245 bilhões) e fez as ações de empresas chinesas do setor dispararem. A título de exemplo, a Semiconductor Manufacturing International Corp. —a maior fabricante de chips da China—, subiu 8,1% na bolsa de Hong Kong, enquanto a Hua Hong Semiconductor Ltda. subiu mais de 10%. A iniciativa representa a mais nova tentativa de Pequim de driblar sanções americanas à sua indústria de semicondutores, essencial para o desenvolvimento tecnológico e fabricação de armamento mais avançado.
★ A Igreja Católica reconheceu que seus missionários ocidentais cometeram “erros” no passado na tentativa de converter fiéis chineses. A afirmação aconteceu durante uma conferência de bispos realizada nesta semana para celebrar os 100 anos do primeiro concílio plenário da Igreja Católica na China, realizado em Xangai em 1924. Em uma mensagem de vídeo, o papa Francisco reconheceu que a recusa de missionários oriundos da França, Itália e outros países ocidentais em ceder autoridade ao clero chinês alimentou o sentimento anticristão e antiocidental na China. Francisco disse que é preciso “esquecer abordagens errôneas” e ceder mais controle da igreja no país aos chineses. Posteriormente, o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, disse a jornalistas que a Igreja espera receber em breve a autorização para abrir um posto permanente na China continental.
Fique de olho
A China lançou uma espécie de ChatGPT alimentado apenas com informações do “pensamento de Xi Jinping para o socialismo com características chinesas”.
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O modelo de linguagem foi disponibilizado a usuários selecionados na semana passada pelo Instituto de Pesquisa do Ciberespaço da China, que declarou estar respondendo a “uma ampla gama de necessidades dos usuários” com o produto.
Segundo o jornal South China Morning Post, o bot parece ter sido alimentado por documentos oficiais e informações produzidas pelos veículos de mídia estatais. As respostas passaram por um escrutínio do governo, que pré-aprovou respostas. Ainda não há previsão para que a ferramenta esteja disponível para o grande público.
Por que importa: O alto controle governamental na China torna o investimento em IAs a la ChatGPT muito complicado. Empresas como a gigante de tecnologia Baidu chegaram a tentar lançar um modelo próprio, mas precisam se submeter a uma regulação tão extensa que os produtos parecem menos poderosos se comparados com opções ocidentais (usualmente bloqueadas por lá).
O produto lançado nesta semana responde a um pedido do Comitê Central do Partido Comunista ainda em fevereiro, instando os partidários a usar a inteligência artificial para educar os colegas com o “pensamento de Xi Jinping”, filosofia política incorporada até na constituição do país. A ferramenta deve ganhar alguns pontos com a liderança, mas dificilmente terá adoção ostensiva por usuários comuns.
Para ir a fundo
- O South China Morning Post publicou uma excelente reportagem relembrando o legado de Anna Hotchkis e Mary Mullikin, duas pintoras estrangeiras que retrataram a China em vários estágios da sua era moderna. Assinado pelo famoso escritor Paul French, o texto pode ser lido aqui. (paywall poroso, em inglês)
- A rede Observa China publicou um longo guia explicando a Iniciativa de Desenvolvimento Global, promovida por Pequim como uma resposta aos objetivos da Agenda 2030 da ONU. Um dos poucos materiais sobre o tema em português, o arquivo pode ser baixado aqui. (gratuito, em português)