Pelo segundo ano consecutivo, o Escritório Nacional de Estatísticas da China anunciou que a população diminuiu. E a uma velocidade maior do que a do ano passado —a agência calcula que hoje o país tenha menos 2,08 milhões de pessoas do que tinha em 2022, mais do que o dobro da queda entre 2022 e 2021, de 850 mil habitantes.
A tendência, perigosíssima para a continuidade do crescimento econômico chinês, é sinal de que políticas para aumento das taxas de fecundidade não têm convencido jovens casais a ter filhos.
Há uma infinidade de motivos para a queda, mas o principal é o custo de se ter um filho. Não me refiro apenas aos gastos correntes que toda criança demanda, como educação e saúde, mas também a um custo profissional.
O mercado de trabalho é cada vez mais competitivo no país asiático, e deixar a função por alguns meses para se dedicar a um bebê pode significar uma sentença de morte para a carreira. Para muitos jovens, que com o envelhecimento dos pais precisam complementar a renda familiar e ajudar a sustentá-los, ter um único filho e arriscar perder o emprego é um risco econômico grande demais para ignorar.
Como infelizmente ainda é a norma no mundo todo, mulheres enfrentam um estigma adicional —há quem se recuse a contratá-las se elas têm a intenção de serem mães num futuro próximo.
Diante de uma dinâmica tão complexa, a resposta de Pequim em termos de políticas públicas até o momento tem sido errática.
Algumas medidas, como subsídios, desconto em impostos para famílias mais numerosas e a aprovação de leis trabalhistas que tentam amenizar o impacto de um novo bebê para a progressão profissional foram bem-vindas. Mas o efeito de outras mostra que talvez elas tenham sido tomadas sem que fossem analisadas suas possíveis consequências no mundo real.
Tome a proibição de aulas particulares e empresas que prestam serviço de reforço escolar, por exemplo. Culturalmente, o exame de admissão universitária chinês —o Gaokao— é um dos momentos mais cruciais da vida estudantil. Ser aceito em instituições de prestígio, como a Universidade de Pequim ou a Tsinghua, define não apenas as habilidades acadêmicas de um jovem vestibulando, mas também qual será seu círculo social, até onde conseguirá ir profissionalmente, quais serão suas amizades e com quem se casará.
Dada essa importância, popularizou-se na China uma prática, para muitos, exaustiva: aulas regulares e depois, no turno seguinte, de reforço. Crianças da mais tenra idade enfrentavam maratonas diárias de nove, dez horas de estudo consecutivas, todas se preparando por anos para a temida prova. Isso significou um aumento nas contas familiares: além da escola regular, era preciso ter bolso para pagar a de reforço.
Xi Jinping e companhia acharam que uma forma de reduzir os custos familiares e nivelar o nível das crianças que têm ou não acesso a essa educação extra seria proibir completamente a prática. Ao longo de 2021 e 2022, vários grupos educacionais que ofereciam esses serviços foram fechados, e as tais aulas, banidas.
O resultado? A prática obviamente não cessou, só ficou mais cara. Quem antes pagava por aulas em grupo precisou contratar professores particulares que, obviamente, cobram mais.
Para quem já é rico, pouca diferença fez. Famílias pobres, porém, ficaram para trás. Um jogo de soma zero que só fez aumentar a desigualdade entre os candidatos e reforçar a ideia de que, para a classe média trabalhadora que se mata diariamente em jornadas longuíssimas, ter um filho é um capricho caro demais.
A tendência de queda da população não será revertida na China. As autoridades vão precisar amenizá-la, talvez aumentando a produtividade e incentivando a imigração (medida que pode enfrentar resistência popular). São decisões politica e economicamente difíceis que não poderão ser resolvidas na canetada, como foi feito até agora.
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