No alto de um mirante em formato de olho, turistas contemplam o mar e posam para fotos em Pingtan, no sudeste da China. A 126 km de distância dali está a principal ilha de Taiwan —que, apesar de não poder ser vista do local, é constantemente lembrada pelos que o visitam.
Prova disso está na explicação para a forma da estrutura metálica por onde os visitantes passam. “É como um olho atento ao retorno de uma criança distante do abraço da mãe, que espera o breve regresso de Taiwan”, descreve a placa ao lado do mirante.
Também uma ilha, Pingtan virou atração turística, entre outros motivos, por ser o local da China continental mais próximo do território taiwanês. Uma área vizinha de uma base do Exército de Libertação Popular (ELP), as Forças Armadas chinesas, foi transformada num parque onde esculturas servem como uma ode ao retorno da ilha que há décadas tem um governo autônomo.
A separação remete ao período da Revolução Chinesa, da qual saíram vitoriosos os comunistas liderados por Mao Tse-tung, em 1949. Derrotado, Chiang Kai-shek fugiu com seus partidários do Kuomintang e constituiu um governo em Taipé, batizado de República da China. Desde então, os dois lados vivem sob ameaça permanente de conflito.
Em Pingtan, porém, o clima é de amizade, afirmam os turistas chineses ouvidos pela Folha.
O local mais disputado para fotografias no parque, uma escultura com 5 metros de altura e 3 metros de largura, reproduz a borda de um selo. No centro está um mapa com a costa da China e Taiwan.
Animados, jovens estudantes tentam mais de uma dezena de vezes fazer a foto perfeita. Nela, todos estão tocando nas bordas das duas regiões separadas pelo mar. Usam um controle que aciona a câmera por bluetooth para que todos possam aparecer.
Questionado sobre o motivo de ir até Pingtan, Zhao Luyi, 22, não hesita: “Taiwan é da China”, grita, sorrindo. “Não há rivalidade, convivo com eles [taiwaneses] na minha cidade, são ótimos.”
A poucos metros dali, uma placa avisa da existência de uma rocha em formato de tartaruga. Ela estaria “olhando para o outro lado do estreito de Taiwan e enviando ao povo a esperança da unificação da pátria”, diz o texto.
Em outro ponto, há uma escultura também com borda em formato de selo, mas sem nada no meio. A brincadeira é se posicionar em frente à obra e conseguir enquadrar na foto, ao fundo, o território taiwanês. “Parece até que a ilha do tesouro [referência a Taiwan] não está tão distante”, descreve o folheto do parque.
Em meio ao clima descontraído, ouve-se o ruído estrondoso de um avião militar chinês que decolou da base ao lado. Ele cruza o céu e faz os turistas direcionarem suas câmeras e celulares para o céu para registrarem o momento.
Dias antes, na última semana de maio, o Exército realizou exercícios militares que simularam um bloqueio à ilha principal de Taiwan. O porta-voz da missão, Li Xi, descreveu as ações como “uma forte punição pelos atos separatistas” e “um severo aviso contra interferências e provocações de forças externas”.
Eram referências ao discurso de posse do novo presidente taiwanês, Lai Ching-te, em 20 de maio. O líder afirmou que “a República da China e a República Popular da China não são subordinadas uma à outra”, comentário que irritou os chineses. Para Pequim, a China continental e Taiwan são partes de uma só China.
A agrônoma Tan Kun Ping, 28, diz ignorar as ameaças e assuntos relacionados ao conflito. “Somos o mesmo povo, isso nos aproxima”, afirma. Segundo ela, há muitos taiwaneses vivendo em Fuzhou, capital da província de Fujian, que fica a 120 km de distância de Pingtan.
O trajeto entre as duas cidades leva 40 minutos num trem de alta velocidade. A linha foi inaugurada em 2020, e o caminho passa sobre pontes de dois andares onde também transitam carros.
A ferrovia faz parte de um projeto de Xi Jinping para povoar Pingtan. O líder chinês visitou o local em 2014. Um ano depois, a ilha ingressou na área de livre comércio da província de Fujian, o que garante isenções fiscais para empresas que se instalam na região.
Os negócios com Taiwan são bem-vindos, segundo o governo local. Nos últimos anos, os chineses promoveram uma série de incentivos para a interação econômica, por exemplo derrubando barreiras para a abertura de empresas.
De 2012 a 2022, taiwaneses investiram US$ 72 bilhões (cerca de R$ 387 bilhões, na conversão atual) em empresas chinesas, segundo o Ministério do Comércio da China.
O número de firmas abertas saltou 46% no período. Ter acesso a um mercado consumidor gigante é um atrativo.
Dono de uma fábrica de componentes médicos e investidor em empresas de tecnologia, Michael Huang vê um movimento cada vez maior de negócios bilaterais. Ele diz acreditar que o comércio é uma prova de que Pequim conseguirá resolver a questão de uma “maneira razoável”. Na sua visão, há um interesse dos Estados Unidos em colocar “os dois irmãos chineses um contra o outro”.
Segundo a imprensa oficial chinesa, 100 mil taiwaneses vivem em Fujian. Relatos dão conta de que a maioria dos chineses que foram para Taiwan após a revolução eram moradores da província, o que reforçaria o laço afetivo.
“A relação é como a de um filho que saiu de casa. Ele pode ir, fazer bobagens, mas seguirá sendo nosso parente e queremos que um dia volte para casa”, afirma Huang.
O sentimento de que há uma só China aparece tanto nas declarações oficiais quanto nos pequenos detalhes.
Um exemplo é um quebra-cabeça do mapa chinês vendido numa livraria em Fuzhou. Nele, cada peça representa uma província.
A ilha é a única peça replicada no brinquedo, são duas dela no pacote. Seria uma garantia em caso de perda, explica a vendedora da loja. “Acho que eles fizeram isso para as crianças. Como a peça é pequena e fica solta, elas [crianças] acabam perdendo.”