A mais recente crise eleitoral na Venezuela tem aumentado a preocupação de países latino-americanos com a possibilidade de uma nova onda de migração vinda da ditadura.
Isso também é verdade no Chile, onde o tema está profundamente conectado à questão da violência pública. A atuação da gangue venezuelana Tren de Aragua na nação andina tem sido apontada como um elemento-chave no aumento da sensação de insegurança entre os locais. Ao mesmo tempo, o fato de a facção ter origem no país controlado por Nicolás Maduro impulsiona casos de xenofobia contra os que fogem de seu regime.
Divulgada na última terça-feira (6), a Pesquisa Nacional Urbana de Segurança e Cidadania aponta que, em 2023, 87,6% dos chilenos acreditavam que a criminalidade aumentou no país. Além disso, 21,7% dos entrevistados relatam que ele mesmo ou alguém de sua família foi vítima de algum crime no último ano.
Com efeito, dados da Fundação Paz Cidadã mostram que o “índice de temor”, que mede a percepção de insegurança pública, atingiu 30,5% no ano passado. Trata-se do maior percentual desde 2000, quando a série histórica começou.
Embora a percepção de insegurança seja grande, dados indicam que delitos sem uso de violência, como furtos, não aumentaram. O que tem ocorrido é um aumento de casos mais violentos, que têm mais visibilidade e contribuem para elevar o medo entre a população.
Crimes de homicídio e feminicídio quase dobraram em pouco mais de uma década, saindo de 522, em 2013, para 1.024 casos no ano passado, segundo dados do Cead (Centro de Estudos e Análises Criminais). Roubos envolvendo intimidação aumentaram de 57,8 mil para 81,9 mil no mesmo período.
Ainda que os índices de homicídio no Chile não sejam comparáveis aos do Brasil —6,3 para cada 100 mil habitantes no primeiro, contra 22,8 no segundo—, especialistas afirmam que o país vem registrando crimes que não eram comuns no passado, como assassinatos por encomenda e tráfico de migrantes. A Tren de Aragua, formada em uma prisão venezuelana em 2014, é uma das facções apontadas como responsável por esses crimes.
Outros países da América do Sul, como Colômbia e Peru, também registram a presença de integrantes do Tren de Aragua. Mas especialistas dizem que a falta de concorrência com outras facções têm favorecido o avanço do grupo criminoso no Chile.
“É possível que o fechamento das fronteiras devido à pandemia tenha favorecido a entrada irregular de migrantes em condições muito precárias. Essas pessoas podem ter sido forçadas a participar de crimes para sobreviver ou melhorar o seu nível de vida. Isso pode ter alimentado o crime organizado”, diz Simón Escoffier, professor da Pontifícia Universidade Católica do Chile.
O Índice Global do Crime Organizado, divulgado em 2023, aponta “indícios de controle territorial por quadrilhas criminosas, bem como fenômenos pouco habituais [no Chile], como os “narcofunerais” –cortejos em homenagem a traficantes e criminosos mortos.
Nas ruas, as pessoas relatam a piora na segurança pública. A estudante Paloma Urodia, 22, conta que já foi assaltada duas vezes em seu bairro, uma delas com arma de fogo. “Me sinto mais insegura na rua com 22 anos do que com 15”, afirma.
O motorista de ônibus Arturo Muñoz, 47, compartilha do temor de Paloma. Ele conta que, diariamente, vê em seus trajetos os famosos “lanzasos”, que ocorrem quando o criminoso passa, de bicicleta ou moto, e rouba o celular de um pedestre.
A reportagem presenciou um furto desse tipo no centro de Santiago, contra uma brasileira, a menos de 1 km da sede do governo, o Palácio de La Moneda —onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve com seu homólogo chileno, Gabriel Boric, na semana passada.
Apesar da incidência desses casos, o que mais preocupa a população são os episódios mais violentos. Muñoz já foi assaltado três vezes com arma de fogo no ônibus em que trabalha. “O criminoso chileno faz um roubo surpresa, leva o celular, mete a mão no bolso, mas nunca tinha assalto com pistola como agora. Depois de roubar tudo, praticamente te matam. Há sicários”, disse.
Muñoz acusa os imigrantes pelo aumento da violência. Segundo ele, “agora entra de tudo, inclusive migrantes clandestinos e que fazem parte do crime organizado”.
Com uma população de cerca de 19,6 milhões de pessoas, o Chile tem atualmente quase 3 milhões de imigrantes em situação legal. Destes, 23% são peruanos, e outros 23%, venezuelanos. O segundo grupo, composto por 693 mil pessoas, tem chegado com mais força nos últimos anos, devido à crise econômica e política na Venezuela.
Em conjunto com o aumento da insegurança pública, a maior quantidade de migrantes levou os casos de xenofobia a também crescerem. Um venezuelano que preferiu não se identificar relatou à Folha que já teve de intervir em brigas e confusões para defender amigos de seu país que foram discriminados.
No Chile há quatro anos, ele trabalha de noite como frentista e de dia, como motorista de aplicativo —pintada em tinta branca, a frase “Venezuela é livre” pode ser lida no vidro traseiro de seu carro.
Nos últimos meses, casos de violência na nação andina ganharam também projeção internacional. Em julho, a brasileira Maressa Crisley Nunes foi agredida durante um assalto. Em abril, outro crime teve ampla repercussão —três “carabineiros” (como são chamados os agentes de policiamento ostensivo chilenos) foram mortos numa emboscada no sul do país, e seus corpos acabaram carbonizados.
Os debates sobre medidas de segurança têm mobilizado os congressistas chilenos. Entre as propostas em discussão estão novas regras para o uso da força pela polícia, além da criação de um Ministério da Segurança, separado do Ministério do Interior.
Ao mesmo tempo, autoridades chilenas buscam se preparar para a eventual chegada de mais venezuelanos.
O presidente do Senado chileno, José García Ruminot, que é de um partido de direita e faz oposição à Boric, disse à reportagem que é preciso reforçar o controle migratório. Mas, acrescentou, a origem do problema está em Caracas, e ele diminuirá “se a Venezuela recuperar sua democracia e prosperidade”, afirmou.