A presença recorde de brasileiros legalmente residentes em Portugal —a comunidade aumentou 386% desde 2016, chegando agora a quase 400 mil cidadãos— já é sentida também nos cartórios lusitanos, que querem agora simplificar a aceitação de documentos digitais emitidos no Brasil.
“Do total de 2 milhões de pessoas que nós atendemos por ano, 100 mil [5%] vêm do Brasil, incluindo portugueses e lusodescendentes que estão no país. Para as dimensões do Brasil, isso pode ser pouco, mas, para nós, é expressivo”, revela o presidente da Ordem dos Notários (tabeliães) de Portugal, Jorge Silva.
Foi pensando no crescente fluxo de pessoas e negócios que Silva propôs, durante o último Congresso Internacional do Notariado Português, um projeto para reconhecer os documentos digitais emitidos pelas autoridades em ambos os lados do Atlântico.
A versão impressa de documentos brasileiros que têm a apostila de Haia —certificado internacional que comprova a autenticação de documentos públicos para que eles sejam válidos também no exterior— já são legalmente válidos em Portugal.
O projeto agora contempla disseminar a aceitação também das versões digitais desses documentos.
Para isso, a proposta pretende treinar os profissionais dos cartórios de Portugal e do Brasil para reconhecer os documentos, compreender a linguagem e, principalmente, dominar os mecanismos de reconhecimento de autenticidade da papelada, como QR codes e códigos de processo.
“Isso vai mudar completamente a vida das pessoas. Mesmo que seja mais caro ter o documento com a apostila [de Haia], ainda continua a ser mais barato do que enviar fisicamente por transporte de avião, por exemplo. Sem contar na agilidade. Eu acho que vai acelerar e simplificar tudo”, diz o líder dos notários lusos.
Hoje, por conta da necessidade das versões físicas dos documentos, procedimentos como a compra de imóveis ou abertura de empresas podem se arrastar por semanas por conta do transporte dos documentos. Com o reconhecimento digital, o acesso seria praticamente instantâneo.
“A aceitação dos documentos em formato digital é mais uma questão de vontade e de orientação das organizações do que qualquer outra coisa”, avalia Jorge Silva, que considera não haver necessidade de qualquer mudança legislativa para implementar o projeto,
“As pessoas recusam [os documentos digitais] muitas vezes porque não conhecem os sistemas, não conhecem as formas de acesso”, acrescentou.
Do lado luso, a ideia é começar a treinar os profissionais dos cartórios para o reconhecimento da linguagem e da autenticação dos documentos eletrônicos brasileiros ainda em 2023. Nos últimos anos, os notários de Portugal têm intensificado o esforço de digitalização. Desde o início do ano passado, por exemplo, já há previsão para fazer escrituras de imóveis utilizando criptomoedas.
O projeto pretende ainda incluir os notários dos demais países que compõem a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa): Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.
A proposta de reconhecimento dos formatos digitais foi bem recebida também pelos representantes do Brasil no encontro. Presidente da Academia Notarial Brasileira (ANB), Ubiratan Guimarães destacou o potencial do acordo.
“A interoperabilidade dos sistemas operacionais dos notariados luso-brasileiros é uma iniciativa bastante importante, sobretudo porque há muitos imigrantes em ambos os países de origens recíprocas. Penso, pois, ser plenamente viável termos o reconhecimento recíproco da validade dos documentos produzidos em ambos os países”, afirmou.
Em novembro, há um novo encontro entre os representantes lusófonos, em que a questão do reconhecimento será aprofundada. Existem ainda outras ideias para, no futuro, afinar ainda mais as relações, como a criação de um repositório com a legislação dos países e maior aproximação na linguagem utilizada nos documentos.
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