A história do surgimento, manutenção e evolução da vida na Terra está diretamente ligada a uma migração épica dos planetas gigantes gasosos — Júpiter, Saturno, Urano e Netuno — que se formaram mais perto do Sol e depois migraram para a sua atual configuração de órbitas mais distantes, em um período de instabilidade orbital.
Uma pesquisa recente, publicada na revista Science, conseguiu datar essas colossais migrações. Segundo o estudo, o período em que as órbitas se tornaram erráticas e imprevisíveis ocorreu entre 60 e 100 milhões de anos após o Sistema Solar ter se formado. As descobertas se basearam em análises da relação de um tipo raro de meteorito com um grupo de asteroides do cinturão principal.
A premissa do estudo é que “se um tipo de meteorito puder ser ligado a um asteroide pai específico, ele fornecerá informações sobre a composição desse asteroide, seu tempo de formação, sua evolução da temperatura e seu tamanho original”. O resfriamento de um asteroide permite que o processo de datação radiométrica determine a idade das rochas de meteoritos.
Meteoritos formados da matéria original do Sistema Solar
Conceito artístico do Bombardeio Pesado Tardio de cometas e asteroides.Fonte: NASA’s Goddard Space Flight Center Conceptual Image Lab
Para a primeira autora do artigo, Chrysa Avdellidou, física da Universidade de Leicester, na Inglaterra, “o que tentamos fazer com este trabalho é não apenas fazer um estudo dinâmico puro, mas combinar diferentes tipos de estudos, interligando observações, simulações dinâmicas e estudos de meteoritos“, explicou ela em um release.
No estudo, os pesquisadores utilizaram os condritos enstatitas com baixo teor de ferro (EL), também chamados de asteroides do tipo E, um tipo raro de rocha espacial que se originou do manto de um asteroide primitivo. Esse asteroide pai preservou a composição original do material que formou o Sistema Solar.
Como a datação da migração planetária depende da ligação de meteoritos aos seus asteroides pais, a equipe da Dra. Avdellidou descobriu uma conexão entre os meteoritos enstatitas EL e uma família de asteroides do cinturão principal, chamada Athor. Isso significa que essas rochas podem ter sido dispersas também durante a migração dos gigantes gasosos.
Datação da instabilidade dos planetas gigantes
Formação do planetesimal pai EL na Terra antes de 60 milhões de anos após a formação do Sistema SolarFonte: Avdellidou et al.
Os autores apresentam os fragmentos da família Athor como parte de um antigo corpo parental muito maior que se formou perto do Sol, mas sofreu uma colisão que reduziu suas proporções. No entanto, quando os planetas gigantes migraram, Athor foi arrastado no meio da massa mutante, e também migrou diretamente para o cinturão de asteroides.
Para comprovar a compatibilidade entre os dois tipos de rocha, as medições espectroscópicas e albedo da família Athor bateram exatamente com as propriedades dos ELs. Além disso, as órbitas dos asteroides no cinturão principal mostraram-se dinamicamente favoráveis para a transferência de fragmentos para a Terra, onde podem cair como meteoritos.
Portanto, a análise dos meteoritos mostrou que a inserção de Athor no cinturão de asteroides não poderia ter acontecido antes de 60 milhões de anos. Como outras pesquisas com asteroides na órbita de Júpiter mostram que esse período é inferior a 100 milhões de anos, a pesquisa concluiu que, como o Sistema Solar se formou há cerca de 4,56 bilhões de anos, a migração de planetas gigantes ocorreu entre 4,5 e 4,46 bilhões de anos atrás.
A formação da Lua e os planetesimais
Impressão artística da colisão entre a Terra e Theia, que formou a Lua.Fonte: NASA/JPL-Caltech
Por coincidência, ou mesmo uma relação causal entre os dois eventos, “a formação da Lua também ocorreu dentro da faixa que determinados para a instabilidade dos planetas gigantes”, afirmam os autores em sua pesquisa. A referência, ocorrida há cerca de 4,5 bilhões de anos, foi a colisão do protoplaneta Theia com a Terra, criando o nosso satélite artificial.
Em um comunicado à imprensa, Avdellidou comparou o estudo a um quebra-cabeça, como se você “entendesse que algo deveria ter acontecido e tentasse colocar os eventos na ordem correta para formar a imagem que vê hoje”.
Para o coautor Marco Delbo, astrônomo do Observatório de Nice, na França, a importância do estabelecimento do momento é a existência de muitos planetesimais (embriões planetários) que teriam desaparecido se a instabilidade tivesse ocorrido 10 milhões de anos após o início do Sistema Solar. Como ocorreu após 60 milhões, como mostrado na pesquisa, houve “mais tempo para trazer materiais para a Terra e Marte”, concluiu.
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