Os dois presidenciáveis com mais chances na eleição de Taiwan, no próximo dia 13, têm plataforma semelhante para defesa. O governista Lai Ching-te apoia o recorde de 2,5% do orçamento para o setor, previsto para este ano, e promete mais. O oposicionista Hou Yu-ih fala em superar esse patamar e, aos poucos, alcançar 3%.
Também concordam quanto ao investimento em mais armamento e preparação, no esforço de desestimular uma invasão pela China.
O quadro atual, porém, não é animador. Em julho, um grupo de jornalistas estrangeiros, inclusive da Folha, estava num trem a caminho de um exercício militar na costa Sul de Taiwan, quando foi comunicado que teria de descer na estação seguinte, no meio da ilha, e retornar para a capital, Taipé.
O ministério da Defesa não informou o motivo, mas horas antes uma explosão num depósito de munição em Keelung, no norte, havia ferido quatro militares. Um precisou amputar um braço, outro, uma mão. O maior exercício anual de guerra, que havia mobilizado cobertura por toda a ilha, foi apagado pelo episódio.
Duas semanas atrás, em acontecimento mais trágico, três marinheiros taiwaneses foram levados por uma onda, durante uma verificação no exterior de um submarino em mar aberto.
Wendell Minnick, veterano jornalista americano de assuntos militares, baseado desde 1997 na Ásia, estava na viagem para o Sul e lamenta a sequência de acidentes. “No submarino, os militares não estavam presos com segurança. A Marinha dos Estados Unidos nunca permitiria isso. Foi estúpido.”
Ele não vê a ilha preparada para enfrentar uma guerra. “O que a China provavelmente fará é um ataque de saturação às instalações militares, em múltiplas camadas e multidirecionalmente, e isso é impossível para Taiwan segurar”, diz.
Não é muito diferente a avaliação do almirante taiwanês Chen Yeong-kang, que concluiu em outubro um “jogo de guerra” com participação de analistas estrangeiros, uma projeção de ataque “com foco não só na própria guerra, mas na cadeia de suprimentos, de alimentos e energia, suporte médico, economia”.
Ex-comandante da Marinha e ex-adido em Washington, além de ter passado dois anos como executivo na gigante de armamentos Lockheed Martin, sua conclusão é que “o tempo e os recursos são limitados”.
É preciso confrontar “os planos com a realidade”, e esta indica que “Taiwan não pode se permitir uma guerra com a China”, por mais que as armas americanas reduzam a vantagem chinesa e levem até a “vencer algumas batalhas”, avalia Chen.
Não haveria preparo para tanto, e seria necessário enviar mais militares aos EUA para aprender a lidar com os equipamentos, por exemplo. Hoje, “o custo de uma guerra seria muito alto para Taiwan suportar”, diz ele.
Para Minnick, o ambiente político taiwanês vive “num mundo de fantasia”, em que a invasão parece ser uma possibilidade distante. Ele cita como exemplo um recém-lançado manhua (mangá chinês) que retrata a invasão da ilha. “Tem ataque, tem mapas e tem lindas mulheres com peitos grandes, voando em helicópteros e fazendo todo tipo de coisa. Não é necessariamente errado, é só ofensivo.”
Uma alternativa para Taiwan é buscar maior cooperação com parceiros, como defendem Lai e, com menos convicção, Hou. Por parceiros, entendam-se os EUA.
O jornalista americano afirma que há hoje na ilha, após uma escalada no envio, 800 militares de seu país, quatro vezes o que se estimava até recentemente. “Eles tomaram por um ano o hotel Marriott e o Grand Mayfull, ambos perto do ministério da Defesa”, diz.
“Muitos são observadores, para avaliação, não fazem treinamento, não são assessores”, diz. A escalada coincidiu com um relatório do “think tank” americano de defesa Rand Corporation, que previu derrota de Taiwan “em 90 dias” e pediu mais treinamento dos EUA.
Mais do que a eventual preparação de militares taiwaneses, a possível entrada dos EUA diretamente em conflito com a China é uma questão que concentra a atenção de especialistas em relações internacionais, sobretudo americanos.
John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, esteve em Taipé em setembro e avaliou que Washington entraria em guerra pela ilha. “Joe Biden falou três ou quatro vezes e estava dizendo o que todo mundo em Washington sabe, e os chineses sabem”, afirmou ele.
“Nós vamos defender Taiwan por duas razões estratégicas”, argumentou. “Uma é que o controle chinês de Taiwan teria ramificações sobre o nosso controle das águas para além da ilha. A segunda é que quebraria nossa estrutura de alianças na Ásia. Japoneses, australianos, filipinos estão olhando.”
Mearsheimer não acredita que vá haver guerra, porque as condições militares seriam desfavoráveis para a China decidir por uma invasão. Citou especificamente a necessidade de uma operação anfíbia, arriscada demais.
Por outro lado, anotou que os EUA “desde a Guerra da Coreia não enfrentam uma luta justa”, um conflito de grandes potências, o que também tiraria o incentivo chinês. Falando no mesmo seminário, mas separadamente, outro acadêmico americano foi menos otimista.
Graham Allison, da Universidade Harvard, vê uma guerra como “provável”. Mais recentemente, também falou da Coreia, mas para arriscar que um confronto por Taiwan “muito provavelmente acontecerá do jeito que a última guerra entre EUA e China aconteceu”, sete décadas atrás.
Os militares americanos entraram no conflito entre Norte e Sul e “estavam se aproximando da fronteira com a China”, quando “Mao Tsé-tung enviou um exército camponês para combater os americanos”. “E eles nos bateram até o paralelo 38, onde a guerra finalmente terminou”.
Muito do debate estratégico taiwanês se dá nos EUA. Todos os candidatos a presidente estiveram lá, nesta campanha, e Hou foi convidado a escrever um artigo sobre sua política de defesa para a Foreign Affairs, revista do “think tank” de política externa Council on Foreign Relations (CFR).
Na quinta (4), o CFR divulgou um relatório sobre “os conflitos nos quais ficar de olho” em 2024, com destaque para Taiwan, de “probabilidade moderada”. Em mídia social, Hou compartilhou o estudo e lembrou seu artigo, argumentando ser “o único candidato para desescalar” a guerra.