A diplomacia brasileira manifestou ao Panamá preocupação com o que descreveu como uma situação precária dos imigrantes que cruzam a selva de Darién, território inóspito entre o país e a Colômbia que se converteu em rota terrestre rumo aos EUA.
O recado foi transmitido em reunião da secretária-geral do Itamaraty, a embaixadora Maria Laura da Rocha, com o embaixador panamenho, Javier Martinez-Acha, às margens de um encontro da OEA, a Organização dos Estados Americanos, na última semana em Assunção.
Não era um tema inicialmente na agenda, mas falas do novo presidente panamenho, José Raúl Mulino, um conservador que promete colocar em prática uma política que coíba a migração, chamaram a atenção de Brasília e fizeram o tema ser pautado no encontro.
O linha-dura ex-ministro da Segurança, que comandou as ações de expulsão das Farc de Darién nos anos 2010, foi empossado nesta segunda-feira (1º). E, sem surpresas, em seu primeiro discurso ele mencionou o tema da migração em Darién afirmando que vai coibí-la.
“Não permitirei que o Panamá seja um caminho aberto para pessoas que entram ilegalmente em nosso país”, afirmou Mulino.
Horas depois, anunciou a assinatura de um memorando de entendimento com Washington, que bancaria a deportação dos imigrantes —trata-se de uma espécie de “pré-acordo” entre as duas partes, que manifestam vontade de agir dessa maneira.
O memorando prevê ajuda americana para equipamento, transporte e logística para “estrangeiros que participem de fluxos migratórios que contrariem as leis migratórias do Panamá e que estarão sujeitos a medidas administrativas conforme o direito local”. A Casa Branca argumentou que a ação vai reduzir o número de imigrantes “contrabandeados por Darién”.
Foi justamente uma declaração neste sentido que havia chamado a atenção de Brasília para o tema.
Horas antes da bilateral na capital do Paraguai, uma entrevista com Mulino conduzida pelo jornalista Andrés Oppeinhemer mostrou que o panamenho quer um pacto com o americano Joe Biden para fechar a selva e deportar os imigrantes que ali chegam.
“A fronteira com os EUA não é mais o Texas, mas a selva de Darién no Panamá”, disse Mulino, eleito com uma margem confortável de votos, durante a entrevista que despertou atenção do Brasil.
Como a Folha detalhou em série de reportagens especiais, há ampla presença brasileira na selva de Darién, que somente no ano passado registrou mais de 520 imigrantes e neste 2024, até junho, registrou 197 mil. Mais de 16 mil crianças do Brasil, a maioria filhas de pais imigrantes, como haitianos, já cruzaram a selva.
O Brasil também é porta de entrada para outros milhares de migrantes, em especial dos países de Ásia e África e de Cuba, para que comecem suas rotas terrestres na América do Sul rumo a Darién, com destino final em território americano.
A diplomacia brasileira comunicou ao Panamá estar atenta ao tema e estar à disposição para cooperar no combate ao tráfico de pessoas, mas acrescentou que está preocupada com o que chamou de situação precária desses imigrantes, que devem ser tratados de maneira digna.
Da contraparte panamenha escutou que há um comprometimento de tratar os imigrantes de maneira digna e de manter uma estrita cooperação e comunicação com o Brasil, notadamente no que tange os grupos mais vulneráveis, como os menores de idade.
Perigosa, a floresta de Darién é palco de um número subnotificado de mortes de imigrantes. Algumas crianças brasileiras já chegaram ao final da travessia, no lado panamenho, desacompanhadas, e tiveram de ser assistidas pelos serviços de infância panamenhos.
Recentemente, uma bebê brasileira filha de mãe angolana foi levada sem autorização pelo pai biológico para a selva. Ele desapareceu –não se sabe se morreu ou se a abandonou— e a bebê ficou por cinco meses em um abrigo nos arredores da Cidade do Panamá após finalmente ser reunida com sua mãe em São Paulo.
Reservadamente interlocutores do Brasil expressam que também há preocupação com o cerne da proposta de Mulino, de fechar a passagem da selva. Mas que não o manifestaram por se tratar, em partes, de um tema de soberania nacional no qual o Brasil não pode interferir.
A proposta do presidente recém-empossado é vista com desconfiança e preocupação. A começar pelo fato de que quem controla a entrada dos migrantes na selva pelo lado colombiano –e lucra milhões de dólares todos os anos com isso– é o Clã do Golfo, o hoje principal grupo de narcotráfico local, que também desafia a tentativa governamental de estabelecer um cenário de paz na Colômbia.
Preocupa também pelo timing do lado americano, que se aproxima das eleições de novembro, quando Joe Biden e Donald Trump disputarão a Casa Branca. Se o republicano voltar ao posto, analistas veem enorme probabilidade de que algum acordo do tipo se torne prioridade. Pelo visto, mesmo com o democrata Joe Biden também será assim.
A presença americana em Darién já é expressiva por meio de missões rotineiras de militares que fornecem treinamentos aos agentes de segurança panamenhos da fronteira.