A Marinha do Brasil assumiu o comando de uma força-tarefa multinacional contra a pirataria na região do mar Vermelho e golfo de Áden, o mais sensível teatro secundário da guerra entre Israel e o grupo terrorista palestino Hamas, onde rebeldes houthis do Iêmen atacam navios mercantes e militares.
Trata-se da CTF (Força-Tarefa Combinada, na sigla inglesa) 151, 1 das 5 em operação sob o comando das CMF (Forças Marítimas Combinadas) —maior coalizão naval do mundo, surgida em 2001 para lidar com pirataria, terrorismo, crimes transnacionais e ameaças à navegação no golfo Pérsico, mar Vermelho e águas adjacentes. O CMF tem sede no Barhein e se ampara em resoluções da ONU.
O contra-almirante Antonio Braz de Souza recebeu o comando rotativo da força de seu antecessor filipino no dia 23 passado. É a terceira vez que o Brasil tem a missão, que dura de três a seis meses. Mas em nenhuma das ocasiões anteriores, em 2021 e 2022, a situação era tão tensa e perigosa.
“A CMF é uma coligação de interesses, não prescreve nível específico de participação de qualquer membro e seus elementos subordinados, como a CTF-151, e não pode participar em conflitos armados”, diz o almirante por escrito à Folha.
O cenário atual, contudo, mudou isso na prática. “Um navio dessa CTF pode efetuar procedimentos para a sua autodefesa ou, de acordo com a ONU, também tem a possibilidade de defender embarcações de seu país contra ataques, incluindo aqueles que prejudicam os direitos de navegação”, afirma.
Neste caso, contudo, a ação seria considerada uma iniciativa da Marinha operando o navio. Hipoteticamente, se um míssil ou um drone houthi forem disparados contra uma das embarcações da CTF-151, hoje uma japonesa e outra sul-coreana, ou ainda contra um cargueiro próximo delas, elas são livres para abatê-los.
Além dos riscos inerentes à guerra, Braz de Souza deverá ter trabalho extra. “Nos anos mais recentes, ilícitos como tráfico de drogas, de armas e de seres humanos vinham sendo mais frequentes do que a pirataria, que, de um modo geral, encontrava-se suprimida na área de operações da CTF-151″, conta.
“Porém, a partir do início do corrente conflito no Oriente Médio, têm sido verificados diversos incidentes de pirataria, não apenas nas proximidades da costa da Somália, mas também em locais situados a mais de 1.000 km dessa região, no mar Arábico”, relata o militar.
O caso mais recente ocorreu perto da costa da Somália, numa ação da Marinha indiana. Os próprios houthis sequestraram um cargueiro em novembro passado, em uma ação ousada e inédita em que empregaram um helicóptero com tropas.
Além dos dois navios, Braz de Souza comanda 23 militares, de dez outras nações, na base americana localizada no Barhein. Ele se reporta ao chefe da CMF, um almirante dos Estados Unidos, assim como um outro oficial de ligação brasileiro no local.
A CTF-151 já foi liderada por 16 países, e existe desde 2009, ano de intensa atividade pirata. Um dos casos ocorridos naquele ano foi o sequestro do navio do capitão Richard Phillips, que virou filme em 2013.
“O fato de o Brasil liderar pela terceira vez, após ter exercido, por alguns anos, o comando da Força-Tarefa Marítima da Unifil (missão da ONU no Líbano), demonstra a continuidade do reconhecimento internacional da Marinha do Brasil como uma força capaz, conciliadora e confiável”, diz o almirante.
O Brasil, contudo, não está presente com navios. A Marinha está em um momento de transição, com sua frota de embarcações com capacidade de operar a longa distância degradada. O fim da liderança na força da Unifil, em 2020, teve a ver com essa indisponibilidade de meios e um foco renovado no Atlântico Sul.
O país tem à disposição sete fragatas, navios usualmente empregado nessas missões, com graus variados de condições operacionais. A Força aposta nos novos navios do tipo, a classe Tamandaré, cuja primeira das quatro unidades prevista deve ir ao mar em 2025. O programa consumiu cerca de R$ 5,3 bilhões, já corrigidos, de 2021 para cá, segundo o sistema de acompanhamento orçamentário do Senado.
Os dois navios da CTF-151 transportam helicópteros, e o Japão tem uma aeronave de reconhecimento na região. As operações são flexíveis. “Meios de outras forças-tarefa, bem como de outros atores, como a operação naval europeia Atalanta, podem atuar em apoio quando há disponibilidade”, diz o militar. Países como a China também operam na área.
Para o Brasil, é uma oportunidade de agir em conjunto com outras marinhas, mais acostumadas com ambientes difíceis. “Um bom desempenho pode contribuir para a dissuasão de iniciativas hostis contra o Brasil”, particularmente a pirataria, afirma o almirante.
A função de patrulha de segurança marítima da CFM na área do mar Vermelho está a cargo de outra força-tarefa, a CTF-153, hoje sob comando dos EUA. Ela age, segundo Braz de Souza, em coordenação com a Operação Guardião da Prosperidade, criada pelos americanos para lidar com a ameaça houthi.
O grupo pró-Irã apoia o Hamas na guerra e tentou atacar sem sucesso o sul de Israel algumas vezes. A partir de novembro, direcionou seus esforços contra navios mercantes que diz serem ligados ao Estado judeu. A disrupção do tráfego numa área que concentra 15% do comércio marítimo do mundo levou à intervenção internacional.
Com o bombardeio de posições houthis pelos EUA e pelo Reino Unido, os rebeldes passaram a mirar diretamente também as embarcações militares dessas nações.