Em uma entrevista crucial para sua sobrevivência no pleito, Joe Biden afirmou ser o melhor candidato contra Donald Trump, minimizou a pressão que vem sofrendo para que desista e voltou a tropeçar em palavras.
“Ninguém está dizendo que não posso ganhar. Nenhuma pesquisa diz isso”, afirmou nesta quinta (11) o presidente em tom combativo diante de dezenas de repórteres, em um raro momento de interação direta entre o democrata e a imprensa que durou quase uma hora, com 11 perguntas.
Ao mesmo tempo, ele reconheceu os danos causados pelo debate desastroso no mês passado e disse que está se expondo mais ao público para aplacar os medos em torno de sua aptidão física e cognitiva para cumprir um novo mandato. Ele se disse ainda aberto a fazer novos exames médicos, caso especialistas avaliem que isso seja necessário.
Aos 81 anos, porém, o presidente voltou a fazer confusões. A mais grave foi logo no início da entrevista, quando trocou o nome da vice-presidente, Kamala Harris, com o de Trump. O erro ocorreu quando ele respondia à primeira pergunta que recebeu, sobre como ele avaliaria o desempenho da companheira de chapa na hipótese de ela se tornar a candidata à Presidência.
“Eu não teria escolhido o vice-presidente Trump para ser vice-presidente se não acreditasse que ele fosse qualificado para ser presidente”, disse, quando na verdade se referia a Kamala.
Questionado posteriormente se desistiria da corrida caso pesquisas mostrassem que sua vice venceria o republicano, Biden respondeu que não. Ele reforçou que apenas reconsideraria concorrer se fosse convencido de que não poderia ganhar.
Logo antes da coletiva, o presidente cometeu uma confusão semelhante, introduzindo o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, como Putin durante o encerramento da cúpula da Otan. Nesse caso, porém, ele se corrigiu rapidamente, mas a cena já correu o noticiário dos principais jornais americanos.
Questionado sobre a troca de nomes dos presidentes em guerra, Biden deu risada e afirmou que ele se corrigiu rapidamente e que em seguida citou outros cinco nomes corretamente.
“Você viu algum dano à nossa reputação por eu estar liderando esta conferência [da Otan]? Você viu alguma conferência mais bem-sucedida? O que você acha?”, respondeu o presidente ao repórter, em tom confrontativo.
“Eu não estou fazendo isso pelo meu legado, estou fazendo para terminar o trabalho que comecei”, disse Biden. “Eu acho que sou a pessoa mais qualificada para concorrer à Presidência. Eu ganhei dele uma vez e vou ganhar de novo.”
O democrata voltou a culpar sua agenda cheia —e seus assessores—, com viagens para a Europa e eventos de campanha pelo país, pelo cansaço que teria contribuído para seu mal desempenho no debate.
“Eu amo minha equipe, mas eles enchem de coisas [minha agenda]. Eles acrescentam coisas o tempo todo. Estou ouvindo um monte da minha mulher. No próximo debate, não vou viajar por 15 fusos horários”, afirmou.
O presidente ainda aproveitou o início do discurso para defender o que vê como conquistas de seu mandato, destacando o fortalecimento da Otan e o apoio dos EUA a aliados, a inflação desacelerando, conforme dados divulgados na manhã desta quinta, e a costura de um acordo para encerrar o conflito entre Israel e Hamas em Gaza.
Tossindo um pouco, como no debate, o presidente acusou seu predecessor, sem mencionar Trump, de não estar comprometido com a Otan. Questionado sobre o temor entre aliados do que um retorno do empresário significaria, Biden disse que não ouviu de líderes europeus pedidos para desistir, mas sim que teria de vencer a disputa.
Até agora, 14 deputados e um senador fizeram um apelo para que o presidente saia da disputa —cerca de metade das declarações foram feitas nas últimas 24 horas. Só nesta quinta, somaram-se à lista os deputados Hillary Scholten, Brad Schneider, Greg Stanton, Ed Case e Marie Gluesenkamp Perez.
A expectativa é que o ritmo acelere ainda mais após o fim da cúpula da Otan, que ocorre em Washington até esta quinta. Por respeito ao evento e ao tema de segurança nacional, muitos preferiram permanecer em silêncio nos últimos dias.
Além do temor de o partido perder a Casa Branca para Donald Trump em novembro, pesam no cálculo de deputados e senadores sua própria sobrevivência. O raciocínio é que um candidato fraco à Presidência contamina todos os nomes do partido abaixo dele na cédula.
Biden afirmou que já foi congressista por muitos anos e atribuiu esse tipo de preocupação às defecções em sua base até agora, minimizando seu peso.
“Eu entendo por que o presidente Biden quer concorrer. Ele nos salvou de Donald Trump uma vez e quer fazer isso novamente. Mas ele precisa reavaliar se é o melhor candidato para isso. Na minha opinião, ele não é. Pelo bem do país, estou pedindo ao presidente Biden que se retire da corrida”, escreveu Peter Welch, o primeiro senador a defender a saída do presidente da corrida, em artigo publicado no Washington Post.
O texto foi ao ar poucas horas depois de George Clooney, um importante apoiador democrata, fazer pedido semelhante em um artigo publicado no New York Times. O ator participou no mês passado de um evento de arrecadação de fundos para a campanha que levantou US$ 28 milhões.
“É devastador dizer isso, mas o Joe Biden com quem estive há três semanas no evento de arrecadação de fundos não era o Joe Biden de 2010 [elogio feito ao ex-presidente Barack Obama ao promulgar a reforma do sistema de saúde]. Ele nem era o Joe Biden de 2020. Ele era o mesmo homem que todos testemunhamos no debate”, escreveu Clooney.
As declarações seguiram uma entrevista dada pela ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, uma das principais lideranças do partido, em que ela afirmou que o tempo para o presidente tomar uma decisão sobre sua candidatura está acabando —algo que foi lido nas entrelinhas como um pedido para ele repensar sua continuidade na corrida.
Outro senador do partido, o representante do Colorado Michael Bennet, não pediu explicitamente a desistência do presidente, mas afirmou que teme uma derrota de lavada em novembro.
Segundo o New York Times, a campanha de Biden encomendou uma pesquisa de intenção de voto simulando o nome da vice-presidente, Kamala Harris, no lugar de Biden. Não está clara, porém, o que motivou essa decisão –se servir de argumento contra ou a favor da continuidade do presidente na corrida.
A campanha democrata já havia antecipado que essa semana seria sensível, com o retorno de congressistas a Washington após o feriado de 4 de julho e a retomada das articulações partidárias. Por isso, Biden partiu para o ataque na segunda e enviou uma carta à sua base para dar um basta nas especulações sobre sua substituição.
Na terça, as bancadas democratas na Câmara e no Senado tiveram reuniões a portas fechadas separadamente. Congressistas não esconderam suas frustrações com o presidente, mas a mensagem oficial após os encontros foi de apoio ao mandatário, o que deu um alívio momentâneo à Casa Branca.
As novas defecções nesta quarta, porém, mostram que a turbulência está longe de ter sido superada.
Seguindo a estratégia de expor mais o presidente publicamente, para que ele prove ser capaz de cumprir a função sem o auxílio de assessores ou teleprompters, a campanha anunciou uma nova entrevista a um canal de TV, a rede NBC, para a segunda-feira (15), a segunda em duas semanas.
Quais congressistas democratas pediram a saída de Biden da corrida
Deputados
- Lloyd Doggett (Texas)
- Raul Grijalva (Arizona)
- Seth Moulton (Massachusetts)
- Mike Quigley (Illinois)
- Angie Craig (Minnesota)
- Adam Smith (Washington)
- Mikie Sherrill (Neva Jersey)
- Pat Ryan (Nova York)
- Earl Blumenauer (Oregon)
- Hillary Scholten (Michigan)
- Brad Schneider (Illinois)
- Ed Case (Havaí)
- Greg Stanton (Arizona)
- Marie Gluesenkamp Perez (Washington)
Senadores
- Peter Welch (Vermont)