La Rambla é o olho do furacão turístico de Barcelona.
Essa avenida arborizada, que corta o centro da cidade com seu extenso calçadão, une a famosa praça Catalunya à orla. Ao longo de seus 1,2 quilômetros, distribuem-se bares, restaurantes, inúmeras lojas de souvenires e fast fashion e cartões-postais imperdíveis como o mercado da Boquería.
Cada dia, estima-se que passam por ali mais de 200 mil pessoas. Basicamente, é impossível visitar a cidade e não dar um pulinho.
Pois nessa avenida, na tarde veranil da alta temporada de 17 de agosto de 2017,
o californiano Jared Tucker, 42, levantou-se de uma cafeteria e deixou por um momento sua esposa, com quem celebrava o primeiro aniversário de casamento;
o italiano Bruno Gulotta, de férias pela capital catalã, caminhava a poucos metros dali com a mulher e dois filhos pequenos;
e o também italiano Luca Russo, 25, de uma cidadezinha na região do Veneto, passeava pelos arredores com sua namorada Marta. Recém-formado em engenharia, tinha acabado de conseguir um primeiro trabalho.
Exatamente às 16h50, uma van branca saiu da pista lateral e, percorrendo uma distância de mais de meio quilômetro, arremeteu contra os pedestres, matando estas e outra dezena de pessoas e deixando mais de uma centena de feridos.
Imediatamente depois do ataque, reivindicado pelo Estado Islâmico, o pânico se alastrou entre a multidão como uma onda invisível, e em questão de minutos chegou onde eu estava.
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Os ataques coordenados que aconteceram em Barcelona e no balneário turístico de Cambrils entre os dias 17 e 18 de agosto de 2017 deixaram um saldo total de 16 mortos (15 deles, em Barcelona) e 130 feridos.
Eu trabalhava então a poucas centenas de metros do local do atentado, numa loja coqueta no bairro do Born. Naquela tarde, não tive tempo de entender nada. Em questão de segundos, o usual fluxo de turistas se converteu num tsunami, e algumas pessoas, desesperadas, invadiram a loja antes que eu pudesse baixar as persianas.
Como muitos comércios da região, permanecemos por algumas horas de portas fechadas, encerrados na penumbra e esperando, coração na mão, enquanto a polícia vasculhava a área em busca do motorista da van, que tinha fugiu a pé depois de abandonar o veículo.
O marroquino Younes Abouyaaqoub, 22, seria morto em uma operação policial dias depois, envolto em falsos explosivos e portando uma sacola com facas, no município de Subirats, a 40 minutos da capital catalã, no coração da região vinícola de Alto Penedès.
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A primeira vítima confirmada do atentado jihadista que ficaria conhecido como 17A foi o espanhol Francisco Rodríguez, 57, metalúrgico de Granada. Faleceu junto com Javier, o filho de 3 anos de sua sobrinha.
Sorte distinta teve a britânica Jom, que estava na cidade para um casamento de familiares. Ela passeava pela Rambla com seu filho Julian, 7, quando foi atingida pelo veículo terrorista.
Jom sobreviveu. Despertou no hospital, gravemente ferida, sem saber onde estava seu filho — e se estaria vivo ou morto.
Nos dias que se seguiram, a busca por Julian mobilizou autoridades internacionais, comoveu a opinião pública e se transformou num dos trágicos símbolos do atentado terrorista que, hoje, completa 7 anos.
A morte de Julian seria confirmada 3 dias depois do atentado.
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Na manhã deste sábado ensolarado de 2024, uma pequena multidão, acompanhada por uma comitiva oficial da prefeitura de Barcelona, reuniu-se na Rambla diante da placa que assinala o local do atentado.
O ato é repetido todos os anos desde 2017 e atrai sobreviventes e familiares de vítimas — entre mortos e feridos, calcula-se que um total de 34 nacionalidades foram afetadas.
No epicentro da silenciosa massa, destacava-se uma mulher sentada numa cadeira, muletas a tiracolo. Soluçava, consolada pelo marido e agarrada à foto de um menininho sorridente, mesticinho como eu: Jom e Julian.
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ALERTA PERMANECE EM “RISCO ALTO”
Durante o ato, representantes das vítimas apresentaram às autoridades uma carta com reivindicações.
Entre elas, solicitaram a criação de um centro de memória e mais políticas continuadas de atenção às vítimas.
Desde 2015, ano dos atentados que deixaram mais de uma centena de mortos em Paris, a Espanha permanece no nível 4 de alerta terrorista. Este nível corresponde a um “risco alto” de ataques, só atrás do nível 5.
Na página do Ministério do Interior, responsável pela escala de riscos e pelo Plano de Prevenção e Proteção Terrorista, é possível encontrar links e números de telefone para denúncias. O governo também disponibiliza a app Alertcops, por onde podem ser enviadas informações, fotos, geolocalização e alertas de maneira sigilosa e quase instantânea.
Segundo a polícia catalã, em 2023 foram detectados 147 casos compatíveis com “radicalização violenta” conectada ao jihadismo. Em entrevista ao canal local TV3, um assessor da polícia confirmou que a possibilidade de um novo ataque terrorista é real, e que as atividades mais preocupantes são endêmicas, isto é, de pessoas residentes.