Assinados acordos e memorandos, é hora de destrinchar o que de mais relevante foi alcançado no Brasil com a visita de Xi Jinping nesta semana.
Comecemos pelo mais óbvio, o tal “acordo de sinergias” entre os programas de industrialização e aceleração do crescimento do governo Lula e a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês). Conversei com muita gente sobre as impressões acerca do texto firmado por Xi e pelo presidente brasileiro, e as reações são mistas.
Do lado chinês, ouvi um certo tom de desapontamento. A impressão geral é que o Brasil se juntou à BRI sem formalizar isso em documento —o que, para nós, foi uma saída inteligente, mas para eles teve significado político aquém do esperado para os 50 anos de amizade.
Tanto foi assim que, após serem comunicados formalmente que Brasília não assinaria o memorando de adesão, parte dos envolvidos na preparação da visita de Estado chegou a considerar diminuir a importância da viagem e transformá-la em algo mais simbólico. Não foi o que aconteceu, muito em função da efeméride de 2024.
Entre especialistas brasileiros, muitos aplaudiram a cautela por trás do texto. Larissa Wachholz, ex-assessora internacional do Ministério da Agricultura e atual pesquisadora do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, destacou por exemplo a criação de grupos de trabalho que identificarão projetos de infraestrutura prioritários para financiamento.
Na ansiedade para entregar grandes anúncios, ela pontuou, muitas vezes não há tempo para ouvir técnicos e especialistas que se detenham a encontrar projetos racionais. O prazo deve ajudar a identificar aquilo que é sustentável para ambos os lados, em sintonia com a cautela que a China vem adotando em grandes investimentos da BRI.
Depois, há que se destacar o estudo de viabilidade para a operação da chinesa SpaceSail no Brasil. Concorrente da Starlink de Elon Musk no setor de internet por satélite, a empresa pode oferecer uma opção de conexão em áreas remotas do país e reduzir a dependência do serviço provido pelo bilionário, agora um futuro secretário dos Estados Unidos.
Preocupa-me a segurança de dados que trafegarão pela chinesa, especialmente se considerarmos que um dos principais clientes nacionais da Starlink é o Exército brasileiro, que a utiliza para operações na Amazônia. Espera-se um esforço de compatibilizar o serviço alternativo chinês com nossa legislação (a Autoridade Nacional de Dados chinesa está envolvida no estudo), mas nossos serviços de inteligência precisarão fazer um trabalho minucioso para garantir que não estejamos expostos a backdoors (mecanismos ocultos que permitem acesso não autorizado a sistemas).
Por fim, Lula mencionou o interesse chinês em estratégias de conservação de florestas tropicais e recuperação de áreas degradadas. Como também pontuou Walchholz, esta pode ser a grande oportunidade para a cooperação nos próximos anos, já que abre espaço para investimentos em biocombustíveis (como etanol, metanol, hidrogênio verde) nestas regiões.
A China optou por eletrificar a sua frota, o que limitou nossas possibilidades. Mas conforme cresce a necessidade de descarbonizar combustíveis de navios e aviões, dois modais onde a eletrificação não vai funcionar, o Brasil pode se tornar um grande parceiro neste setor.
Em geral, o tour de Xi termina com um saldo bastante positivo. Ele voltará em 2025 para a cúpula do Brics, e Lula já estendeu o convite para que venha também à COP30 em Belém. Será uma oportunidade para revisitar os textos e fazer um balanço dos avanços.
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