Dois anos depois que o então presidente dos Estados Unidos, Richard M. Nixon, lançou uma guerra às drogas em 1971, descrevendo o uso de substâncias ilícitas como “inimigo público nº 1”, ele fez uma confissão surpreendente durante uma reunião no Salão Oval da Casa Branca.
Falando para um pequeno grupo de assessores em março de 1973, Nixon disse saber que a maconha “não era particularmente perigosa”.
Nixon também manifestou preocupação com as punições duras que os americanos enfrentavam por crimes relacionados à maconha. “As penalidades devem ser proporcionais ao crime”, disse ele durante a conversa no Salão Oval, chamando de ridícula uma sentença de 30 anos em um caso do qual ele havia tomado conhecimento havia pouco tempo.
Os comentários foram capturados por um sistema de gravação secreta, e os áudios ficaram armazenados em fitas que foram disponibilizadas recentemente. Um lobista da indústria da cannabis em Minnesota examinou o material e encontrou as declarações, que historiadores da era Nixon disseram ser reveladoras.
Os comentários, em gravações arranhadas e às vezes difíceis de ouvir, oferecem um vislumbre surpreendente do pensamento de Nixon, que implementou o sistema de classificação de drogas do governo federal e decidiu que a maconha pertencia a uma categoria de substâncias consideradas mais propensas ao vício e sem valor médico comprovado.
Ao longo de cinco décadas, essa designação levou a milhões de prisões, que impactaram desproporcionalmente pessoas negras e prejudicaram os esforços relacionados aos estudos sobre o potencial terapêutico da cannabis.
As novas percepções sobre a forma como Nixon falava sobre a maconha estão vindo à tona à medida que a política federal sobre o tema vem sendo reconsiderada.
Em 2022, o presidente Joe Biden emitiu um indulto perdoando milhares de pessoas condenadas por certos crimes relacionados à maconha sob a lei federal. Nos últimos meses, o Departamento de Justiça vem sinalizando a intenção de rebaixar a maconha no sistema regulatório de drogas do governo, citando um consenso de autoridades federais da saúde de que a planta não deve pertencer à categoria das drogas consideradas mais prejudiciais, conhecida como Lista I, que inclui heroína e LSD.
Especialistas nos anos Nixon disseram que não tinham conhecimento das gravações do ex-presidente sobre maconha e que os comentários eram significativos à luz das políticas que ele havia defendido e que continuam sendo a espinha dorsal das leis de drogas atuais.
Douglas Brinkley, historiador da Universidade Rice, disse que os comentários reforçam outras evidências históricas sugerindo que a guerra às drogas era menos um reflexo de sua filosofia pessoal do que uma estratégia destinada em grande parte a minar seus oponentes políticos.
“Isso reforça Nixon como um operador político maquiavélico”, disse Brinkley, acrescentando que o ex-presidente “desumanizou os usuários de drogas porque era de seu interesse político fazê-lo”.
Jerome Jaffe, professor de psiquiatria que aconselhou Nixon sobre drogas de 1971 a 1973, disse em uma entrevista que não se lembrava de ter ouvido o ex-presidente dizer que a maconha não era perigosa.
Jaffe chamou os comentários gravados de Nixon de “uma descoberta interessante”. Mas ele acrescentou que “não ficaria surpreso se várias pessoas, talvez incluindo Nixon, não achassem que a maconha fosse tão perigosa quanto a heroína ou a cocaína”.
O professor disse que as discussões sobre a política de drogas da época, na qual alguns soldados dos EUA estavam retornando do Vietnã viciados em heroína, muitas vezes ignoravam o foco de Nixon em levar pessoas com problemas de abuso de substâncias para o tratamento.
As visões predominantes sobre a maconha na época teriam tornado politicamente difícil para Nixon adotar uma abordagem mais branda, disse Jaffe. “Nem tudo o que um político faz em um nível alto está altamente correlacionado com o que ele pensa”, afirmou.
O status legal da cannabis nos Estados Unidos havia flutuado por décadas até o momento em que Nixon, um republicano, foi eleito presidente pela primeira vez em 1968. No século 18 e 19, médicos americanos usavam cannabis para tratar uma variedade de condições. Mas no início do século 20, uma onda de migrantes do México, alguns dos quais fumavam maconha recreativamente, levou a uma reação negativa, levando vários estados a criminalizar seu uso.
Em 1937, o Congresso aprovou a Lei do Imposto sobre a maconha, que efetivamente criminalizou a cannabis recreativa e praticamente encerrou a pesquisa sobre suas aplicações médicas.
Em 1969, a Suprema Corte considerou a lei inconstitucional por violar as proteções contra autoincriminação. Mas um ano depois, Nixon mais uma vez tornou ilegal o uso de maconha sob a lei federal, assinando a Lei de Substâncias Controladas, que estabeleceu um sistema de classificação de drogas.
A administração Nixon colocou provisoriamente a maconha na Lista I e nomeou uma comissão para estudar os riscos à saúde. Nixon escolheu 9 dos 13 membros da comissão.
Desde o início, Nixon deixou claro que pretendia manter a maconha ilegal. “Eu quero uma maldita declaração forte sobre a maconha”, disse ele em uma conversa gravada de 1971.
Mas um ano depois, a comissão emitiu um relatório que parecia estar em desacordo com esse desejo.
A comissão concluiu que o uso de cannabis “não constitui uma grande ameaça à saúde pública”. Também não encontrou evidências convincentes para apoiar a noção amplamente difundida de que a maconha era uma porta de entrada para drogas mais prejudiciais ou um fator de crimes violentos.
O uso de cannabis deveria ser descriminalizado, sugeriu a comissão, instando o governo a controlar seu uso por meio de “persuasão em vez de processos judiciais”.
Nixon ignorou as recomendações e manteve a maconha na Lista I. “Nos anos 1970, temos que lembrar que havia um grupo significativo de americanos que achavam que a maconha era praticamente a pior droga do mundo”, disse Gregory Cumming, arquivista e historiador do governo que trabalha desde 2003 na Biblioteca Presidencial Richard Nixon.
No entanto, as novas gravações indicam que Nixon não compartilhava dessa visão. Em uma gravação de 1972, Nixon pode ser ouvido dizendo a um assessor sênior que ele era a favor de uma “modificação de penalidades” enquanto discutiam crimes de drogas. “Mas eu não falo mais sobre isso”, disse.
Na reunião no Salão Oval no ano seguinte, Nixon foi mais expansivo. John Ehrlichman, um assessor de Nixon que mais tarde foi para a prisão devido ao escândalo de Watergate, e Jerry V. Wilson, que na época era chefe de polícia em Washington, estavam entre os presentes.
“Deixe-me dizer, eu não sei nada sobre maconha”, disse Nixon. “Eu sei que não é particularmente perigosa, e a maioria dos jovens é a favor de legalizá-la. Mas, por outro lado, é o sinal errado neste momento.”
Nixon questionou se a maconha era mais prejudicial do que outras substâncias populares como álcool, cigarros e até café. Ele disse que estava aberto a flexibilizar as penalidades para crimes relacionados a drogas. Mas em um momento em que Nixon percebia que o governo estava “começando a vencer a guerra às drogas”, ele relutava em ter um debate franco sobre o uso de substâncias.
Houve sinais anteriores de desconexão entre as políticas de drogas de Nixon e suas opiniões privadas.
Wilson, que se tornou crítico da guerra às drogas, escreveu em 1994 que Nixon certa vez lhe disse que a maconha provavelmente não era mais perigosa do que a “droga psicoativa favorita do presidente”, o martini.