Um ataque aéreo de Israel no centro da Faixa de Gaza matou sete pessoas que trabalhavam na WCK (World Central Kitchen), ONG do chef espanhol José Andrés, afirmou a organização nesta terça-feira (2). O comboio foi atingido quando saía de um armazém em Deir al-Balah, onde descarregou mais de 100 toneladas de alimentos que entraram no território palestino pelo mar.
Além de palestinos, há entre as vítimas pessoas da Polônia, do Reino Unido e da Austrália, além de um cidadão com nacionalidade dos Estados Unidos e do Canadá. Eles viajavam em três veículos, dois deles blindados e com o logotipo da WCK, e haviam coordenado o deslocamento com o Exército de Israel, disse a organização em um comunicado.
Um vídeo mostra os danos que um projétil israelense deixou em um dos carros, logo ao lado do símbolo da ONG estampado na lataria. “Este não é apenas um ataque contra a WCK, é um ataque às organizações humanitárias que atuam nos locais mais terríveis em que os alimentos são usados como arma de guerra”, disse Erin Gore, executiva-chefe da entidade. “Isso é imperdoável.”
O primeiro-ministro do Estado judeu, Binyamin Netanyahu, disse lamentar as mortes, mas declarou que “isso acontece em tempos de guerra”. “Estamos investigando minuciosamente o assunto, estamos em contato com os governos [dos estrangeiros entre os mortos] e faremos de tudo para garantir que isso não aconteça novamente”, afirmou o premiê em um comunicado em vídeo.
Após o ataque, a WCK informou que pausaria suas operações na região imediatamente. No mês passado, a organização disse que havia servido mais de 42 milhões de refeições em Gaza ao longo de 175 dias.
Desde 2010, quando Andrés enviou cozinheiros e alimentos para o Haiti após um terremoto e iniciou as operações da organização, a WCK entrega alimentos para afetados por desastres naturais, refugiados na fronteira dos EUA, trabalhadores de saúde durante a pandemia de Covid-19 e pessoas em situações de conflito na Ucrânia e em Gaza.
O chef afirmou que estava com o coração partido e de luto pelas famílias e amigos dos que morreram. “O governo israelense precisa parar com essa matança indiscriminada”, disse. “É preciso parar de restringir a ajuda humanitária, parar de matar civis e trabalhadores humanitários e parar de usar os alimentos como arma. Nenhuma outra vida inocente pode ser perdida. A paz começa com a nossa humanidade partilhada. Precisa começar agora”.
Israel tem negado que esteja dificultando a distribuição de ajuda alimentar em Gaza, onde a fome se alastra devido aos bloqueios impostos pelas operações militares. Tel Aviv alega que o problema é causado pela suposta incapacidade logística dos grupos de ajuda internacional.
Essas entidades, por sua vez, dizem que as autoridades israelenses impõem obstáculos burocráticos e não garantem a segurança do transporte da ajuda. Até agora, 174 funcionários da ONU, 348 trabalhadores de saúde e 48 membros da defesa civil foram mortos no conflito, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários.
O Exército israelense disse estar fazendo revisões para compreender as circunstâncias do que chamou de “incidente trágico”. Segundo eles, um órgão independente investigará as mortes.
“As Forças de Defesa fazem grandes esforços para permitir a entrega segura de ajuda humanitária e têm trabalhado em estreita colaboração com a WCK nos seus esforços vitais para fornecer alimentos e ajuda humanitária ao povo de Gaza”, disseram os militares.
O Hamas, que controla Gaza desde 2007, emitiu um comunicado dizendo que o bombardeio tenta aterrorizar os funcionários de agências internacionais, dissuadindo-os de suas missões.
Líderes dos países de origem das vítimas também se pronunciaram. O primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, confirmou a morte de Lalzawmi “Zomi” Frankcom, 44, e disse que o seu governo entrou em contato com Israel.
“Essa é uma tragédia que nunca deveria ter ocorrido, que é completamente inaceitável e a Austrália procurará uma responsabilização plena e adequada”, disse em uma entrevista coletiva nesta terça-feira (2). Albanese afirmou que civis inocentes e trabalhadores humanitários precisam ser protegidos e reiterou o apelo a um cessar-fogo em Gaza.
A porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Adrienne Watson, também pediu investigação a Israel. “Estamos com o coração partido e profundamente preocupados com o ataque que matou trabalhadores humanitários do WCK em Gaza”, disse ela nas redes sociais.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, declarou que estava “chocado e entristecido” e que os trabalhadores estavam fazendo um “serviço fantástico” para aliviar o sofrimento em Gaza.
“Estamos pedindo a Israel para investigar o que aconteceu com urgência, porque claramente há perguntas que precisam ser respondidas”, disse o premiê a jornalistas durante uma visita ao nordeste da Inglaterra. “Eles precisam ser autorizados a fazer esse trabalho sem impedimentos. E é responsabilidade de Israel garantir isso.”
Por meio da rede social X, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, disse estar “horrorizado” com a morte dos trabalhadores.
“Espero e exijo que o governo israelense esclareça o mais rápido possível as circunstâncias desse ataque brutal que tirou a vida de sete trabalhadores humanitários que não estavam fazendo nada além de ajudar”, afirmou posteriormente. “É urgente que Israel permita o acesso à ajuda humanitária em Gaza, conforme exigido por vários órgãos internacionais, incluindo a Corte Internacional de Justiça.”
O prefeito de Przemysl, na Polônia, identificou o voluntário morto como Damian Sobol, residente dessa cidade no sudeste do país. “Não há palavras para descrever o que as pessoas que conheciam esse homem fantástico sentem neste momento. Que ele descanse em paz”, afirmou Wojciech Bakun em sua conta no Facebook.
O chanceler do país, Radoslaw Sikorski, disse ter pedido a seu homólogo israelense “explicações urgentes”. “Ele me assegurou que a Polônia em breve receberá os resultados da investigação sobre essa tragédia. Minhas condolências à família do nosso corajoso voluntário e à de todas as vítimas civis na Faixa de Gaza”, afirmou ele no X.