Quando Aki e Hikari queriam alugar uma casa juntas em Tóquio, corretores de imóveis lhes disseram que os lugares que eles gostavam “eram para casais”. “Somos um casal”, respondiam. Então, ouviam de volta: “Esta é uma casa para um casal de homem e mulher”.
As mulheres, ambas na faixa dos 30 anos, estão juntas há sete anos e agora são mães de um bebê. Elas cuidam do bebê, compartilham tarefas e se revezam para que uma delas possa dormir um pouco. E não param de falar sobre sua nova máquina de fórmulas infantis.
No entanto, aos olhos da lei, do governo e de uma sociedade conservadora no Japão, elas não são um casal legítimo. Apesar do apoio de pessoas próximas, mantiveram o relacionamento escondido de muitos. É por isso que elas não querem revelar seus nomes verdadeiros.
Aki e Hikari dizem que estão sendo extremamente cautelosas com o filho, visto que ainda persistem tabus em torno de casais do mesmo sexo. “Não somos reconhecidas como uma família de três pessoas”, diz Aki.
O Japão é o único país do G7 que não reconhece plenamente os casais do mesmo sexo nem lhes oferece uma proteção jurídica clara, deixando a comunidade LGBTQIA+ do país sentindo-se vulnerável e quase invisível.
Tem crescido a pressão para legalizar as uniões entre pessoas do mesmo sexo depois de vários tribunais distritais terem decidido que sua proibição era inconstitucional. Mas o primeiro-ministro Fumio Kishida tem lutado para aprovar reformas frente à oposição de políticos com mentalidade conservadora.
Houve algum progresso no aceno às vozes mais jovens e mais altas que exigem mudanças. Alguns municípios introduziram certificados de parceria, mas que não são juridicamente vinculativos. Foi criado um órgão governamental que se concentra principalmente nos direitos LGBT+, enquanto uma nova lei passou a tratar da discriminação contra minorias sexuais.
Mas a comunidade está decepcionada porque a lei, que encontrou forte oposição de parlamentares conservadores, não chega a reconhecer a igualdade no casamento.
Os ativistas também ficaram furiosos com o texto do projeto de lei que dizia que, ao tomar medidas para “promover a compreensão” sobre as minorias sexuais, “todos os cidadãos podem viver com paz de espírito”.
Isso provocou reações de críticos, para quem o texto priorizava os direitos da maioria e sugeria que a existência da comunidade LGBT+ seria uma ameaça à paz de espírito dos outros. “Já existem muitos políticos que querem usar essa lei como um impedimento para restringir a educação e as atividades em escolas e empresas —por isso, tenho muito medo dessas intenções”, diz Akira Nishiyama, vice-secretária-geral da Aliança Japonesa para Legislação LGBT.
Casais do mesmo sexo como Aki e Hikari dizem que a falta de reconhecimento legal está longe de ser uma preocupação abstrata —ela torna a vida deles cada dia mais difícil.
‘Mostrar que existimos’
Uma das coisas contra as quais lutam, por exemplo, é o fato de apenas Aki, que deu à luz, ter direitos parentais. “Quando dei à luz, escrevi um testamento para nomear minha companheira como guardiã legal de nosso filho, caso eu morresse durante o parto. E mesmo isso não garantiu a custódia dela.”
Se uma delas for hospitalizada, a outra não tem o direito legal de preencher a papelada ou assinar formulários de consentimento em nome da parceira. Muitos casais não conseguem obter uma hipoteca conjunta para comprar uma casa. E, se um dos parceiros morrer, o outro não terá direito à herança.
Eles poderiam solicitar permissões especiais para contornar cada uma dessas circunstâncias, mas a decisão depende do arbítrio das autoridades.
Foi a maternidade que encorajou Hikari e Aki a se assumirem para suas famílias e para seu círculo próximo de amigos e a considerarem o casamento. Elas queriam que o filho fosse capaz de explicar o relacionamento das mães quando crescesse. E sabiam que não poderiam se casar no Japão, mas preencheram um pedido de casamento mesmo assim.
Quando seu pedido foi rejeitado, elas se casaram no Canadá, onde Hikari cursou a universidade. “Queríamos mostrar que existimos”, diz Aki.
Mas, no Japão, ela e Hikari sentem que estão ficando invisíveis. “Eu cresci em uma cidade pequena e conservadora. Sabia que era homossexual desde muito jovem e senti fortemente que precisava consertar isso. Vivi escondida, desisti de muitas coisas. Não quero mais fazer isso.”
Há espaço para progresso, diz Nishiyama, mas aqueles que estão no poder são resistentes à mudança. “Políticos conservadores que querem proteger a ideia da família tradicional ou do patriarcado.”
“Tenho trabalhado ativamente pela proteção das pessoas LGBT+ há quase 10 anos. É por isso que estou frustrada, porque sinto que preciso lutar e trabalhar duro todos os dias. Poderia viver em outros países onde os direitos das pessoas LGBT+ são protegidos por lei, mas ainda não escolhi esse caminho porque quero mudar a sociedade japonesa e quero proteger os meus próprios direitos.”
Ela diz que nunca vai parar de lutar, mas também está exausta e desanimada com o pouco progresso.
Casais gays mais velhos são mais esperançosos. Keitaro e Hideki se conheceram em uma aula de balé há mais de um ano e são inseparáveis desde então. Eles estavam entusiasmados em obter um certificado de parceria. Embora isso não lhes dê qualquer proteção legal, veem o papel como um símbolo da sua união.
“Um verdadeiro vínculo está além do casamento legal. Se você encontrar um, importa menos como a sociedade te rotula”, diz Keitaro. Hoje com 40 e poucos anos, ele se assumiu quando era adolescente.
Hideki, que é 10 anos mais velho, não se assumiu para sua família. Ele mora em uma área rural conservadora perto de Tóquio e viaja regularmente para ver seu parceiro —ele não quer chocar sua mãe de 90 anos, de quem cuida com frequência. “Acho que a discriminação ainda é muito forte no Japão, assim como o ambiente que me rodeia.”
“Gostaria que mais pessoas não tivessem que viver uma vida dupla”, afirma Keitaro. “Acho que [a proteção legal] é importante. Se houver reconhecimento e com menos preconceito, as pessoas se sentirão seguras para se assumir.”
E é isso que Aki e Hikari também querem —elas têm esperança de que um dia se casarão legalmente no Japão e que seu filho estará no casamento. Elas se preocupam com o filho e se perguntam como ele lidará com a escola e com a sociedade.
“Nosso desejo é ter uma sociedade em que seja mais fácil para os filhos de pais do mesmo sexo viverem”, diz ela. “Queremos que as pessoas LGBT+ sejam protegidas, agora e no futuro. Não é certo continuarmos a nos esconder.”
Este texto foi publicado originalmente aqui.