Instabilidade e incerteza são as palavras que mais se ouve dos chamados “arbolitos”, ou “arvorezinhas” na tradução literal para o português, após a vitória de Javier Milei na Argentina. Os comerciantes de dólar “blue” que passam o dia plantados na famosa rua Florida, no centro de Buenos Aires, relatam um clima estranho nesta terça (21).
“Está muito louco”, diz o venezuelano Victor Terán, 63, que, recém-chegado ao país, ainda tenta entender como se formam os preços no mercado paralelo de câmbio argentino. Assim como vários outros vendedores da avenida, ele conta que o valor da moeda americana flutuou durante toda a manhã e só se estabilizou no meio da tarde, em alta.
“As pessoas estão numa incerteza, guardando seu dinheiro, porque não sabem o que vai acontecer”, diz Emma Díaz, 45, embaixo de um guarda-chuva e irritada com as más vendas. “Hoje está horrível, eu a essa hora normalmente já fiz dez vendas, hoje só fiz duas”, afirma ela. “O problema é que temos metade do país que quer esse presidente e metade que não”, palpita.
Havia uma grande expectativa na Argentina sobre o que aconteceria após as eleições com o dólar “blue”, cotação que na teoria é ilegal, mas na prática rege os preços nos comércios e serviços. A cotação oficial é considerada fictícia, já que é proibida para a maioria dos argentinos, numa tentativa do governo atual de preservar as baixas reservas da moeda no país.
Pois bem, com o êxito nas urnas do ultraliberal Milei, que pretende a partir de 10 de dezembro colocar em marcha um plano para dolarizar a economia, a divisa americana paralela de fato subiu na abertura dos mercados. Estava em 950 na última sexta e fechou em 1.075 pesos nesta terça, uma alta de 13%, mas não foi a explosão que muitos esperavam.
Esse valor variava nas esquinas da rua Florida, onde os comerciantes costumam gritar “câmbio, câmbio” a cada grupo de turistas ou argentinos que passa. “Está muito instável, porque não se sabe o que Milei vai fazer”, diz o vendedor Constante Ramón, 75, reclamando que os preços que aparecem nos sites usados como referência não são os praticados na rua.
“As pessoas querem o preço que veem no Google, mas não funciona assim nas ‘cuevas’ [casas de câmbio paralelas]. Minha comissão é só de 30 pesos, se eu vendo pelo preço errado, eu perco dinheiro”, afirma ele. Questionado sobre o que vai acontecer com seu trabalho se o país for dolarizado, ele responde que Milei terá que criar empregos.
Já a comerciante Agustina Rodriguez, 37, afirma que o dólar aumentou, “mas não foi tanto como depois das eleições primárias”, lembrando a semana de agosto em que o dólar explodiu, os preços ficaram sem referência e parte das vendas se paralisaram na Argentina.
Na época, a alta foi causada tanto pela surpresa do bom desempenho de Milei quanto por uma desvalorização do peso oficial promovida pelo ex-candidato e ministro da Economia Sergio Massa, seguindo exigências feitas no acordo de empréstimo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
“Hoje o mercado abriu sem preço, depois chegou-se a vender por 1.300 dólares, que é muito alto, e se estabilizou por volta das 14h”, conta Agustina, que não viu muita diferença na demanda nesta terça.
O comerciante Lautar, 20, que não quis dizer o sobrenome, acredita que a moeda vai disparar em 10 de dezembro, quando o ultraliberal assumir, “porque Massa vai colocar de novo o dólar oficial lá em cima para boicotar seu governo”. Essa é uma visão recorrente entre os apoiadores do ultraliberal.
Milei e Massa trocaram farpas sobre a responsabilidade pela situação econômica do país até a posse. “A partir de amanhã a responsabilidade de prover certeza pertence a Milei”, disse o ministro em seu discurso de derrota, fazendo o ultraliberal rebater ao comemorar a vitória: “Assumam a responsabilidade até o final do mandato”, disse.