O embaixador do Brasil na Argentina, Julio Bitelli, afirma que não há discriminação contra brasileiros por parte do governo de Javier Milei, diante de relatos que indicam que o país estaria sendo mais rígido nos últimos meses e barrando estudantes que tentam entrar sem visto.
Ainda que haja sinais de que os postos de migração argentinos estejam mais exigentes, o diplomata diz que isso não se traduziu em uma proporção maior de brasileiros inadmitidos nos aeroportos, citando dados apresentados a ele pela Direção Nacional de Migrações em Buenos Aires.
Procurado, o órgão informou à Folha que apenas 38 pessoas que tentaram entrar no país vindas do Brasil desde 1º de janeiro não foram aceitas, de um total de quase um milhão, por diferentes motivos que incluem documentação incorreta. O governo argentino disse que não teria como fornecer o número total do ano passado ainda nesta segunda (26), mas confirmou que ele não variou de forma significativa.
Nesse período do ano o fluxo de brasileiros entrando na Argentina aumenta, incluindo turistas de férias e alunos que se preparam para o início das aulas em universidades públicas, atrativas a estrangeiros por serem gratuitas e não exigirem vestibular —ao todo, cerca de 10 mil brasileiros estudam no país.
O clima de alarde que se instalou a partir dos relatos de estudantes barrados fez com que o embaixador procurasse o órgão para esclarecer os fatos na última sexta (23), ainda que esse seja um tema consular.
“A nossa preocupação era saber se havia algo arbitrário, se havia algo discriminatório contra brasileiros e se havia algo que fosse contra as regras do Mercosul, e na verdade nada disso existe”, diz Bitelli. “O que se pode dizer é que a percepção é de uma aplicação mais estrita da regra, mas a regra não mudou nem está sendo aplicada com arbitrariedade.”
Ele afirma que também houve reclamações de países como Colômbia e Equador.
Segundo as leis de migração locais, turistas podem entrar e ficar na Argentina por até 90 dias, prorrogáveis por mais 90, sem visto. Já estudantes precisam pedir o visto de estudante, apresentando documentos como inscrição na universidade e carta de aceitação.
“É importante esclarecer que não houve nem haverá mudanças na política migratória argentina. Os requisitos não mudam e continuam sendo os mesmos”, reforçou o Ministério do Interior de Milei, ao qual a direção de migrações é subordinada. “Não gostaríamos de gerar alarmes na comunidade de estudantes internacionais que temos em nosso país.”
No caso do Brasil, esses processos são regulados pelas regras do Mercosul e também por um acordo bilateral que entrou em vigor em 2009. Ele permite que brasileiros peçam a residência permanente sem precisar cumprir os dois anos de residência provisória.
Esse contexto levou a uma cultura em que estudantes costumavam entrar como turistas sem maiores problemas e, uma vez lá, pediam o direito de permanência.
“O que não dá é para ser meio turista, meio estudante. Você pode, pelas leis e pelas regras do Mercosul, entrar como turista e mudar o seu status depois. Mas você tem que ter entrado no país cumprindo os requisitos para entrar como turista, como passagem de volta”, explica Bitelli.
Esses requisitos constam em uma disposição da Direção Nacional de Migrações (4362/2014), em vigor há uma década, que orienta as autoridades de fronteira a como agir ao suspeitar que alguém seja um falso turista —o que inclui pedir passagens aéreas, cartões de crédito, comprovante de hospedagem etc.
Ao barrar os estudantes, portanto, as autoridades de fronteira não rompem as normas de circulação de pessoas entre os países do bloco, mas sinalizam um recuo de uma postura de permissividade que, até aqui, marcava essa relação de lado a lado.
“Se havia certo relaxamento anterior, no fundo o problema estava antes, quando não estavam sendo cumpridas as regras”, diz o embaixador. “Mas isso é uma questão dos argentinos. O que os brasileiros têm que entender é que há requisitos a serem cumpridos para quem quer estudar na Argentina.”
Ele afirma, porém, que a embaixada continuará atenta e, se houver casos que eventualmente possam ser interpretados como discriminatórios, o país pode fazer uma reclamação formal.
Desde que chegou ao poder, Milei já sinalizou que pretende restringir o acesso de estudantes estrangeiros às universidades públicas. Seu pacotão de reformas liberais apelidado de “lei ônibus”, que voltou à estaca zero após falta de consenso com a oposição, pretendia cobrar mensalidade de imigrantes que não tivessem residência.