O presidente Javier Milei conseguiu fazer seu pacotão de reformas ultraliberais para a Argentina avançar no Congresso. Mas não sem resistências.
Seu projeto, apelidado de “lei ônibus”, recebeu um parecer favorável de comissões da Câmara dos Deputados e deve ir a plenário na próxima semana. As negociações, porém, enfrentam obstáculos principalmente em três pontos —o aumento de impostos sobre o agronegócio, a fórmula de reajuste de aposentadorias e, por fim, os poderes extraordinários que a lei dará ao Presidente caso seja aprovada. Farpas recentes com governadores também complicam o cenário.
Chamado pelo governo de “Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, o projeto tem como principais objetivos a desregulamentação da economia e o corte de gastos públicos, abrindo caminho, por exemplo, para a privatização total ou parcial de 40 empresas estatais.
A coalizão de Milei, A Liberdade Avança, tem uma pequena minoria dos parlamentares (37 dos 257 deputados e 7 dos 72 senadores). Por isso, ele depende de forças de centro e centro-direita para que as medidas sejam aprovadas, como o grupo Juntos pela Mudança, do ex-presidente Mauricio Macri, e o partido União Cívica Radical (UCR), a “oposição dialoguista”.
Na segunda (22), após duas semanas de debates, o governo recuou em alguns pontos e apresentou uma nova versão do projeto que excluía 141 dos 664 artigos originais. As mudanças incluíram a eliminação de uma reforma eleitoral que pretendia acabar com as Paso, as eleições primárias, e a retirada da petroleira YPF da lista de privatizações.
Na madrugada de quarta (24), então, horas antes da greve geral convocada por centrais sindicais contra a lei, as comissões da Câmara deram vitória a Milei e chegaram a um “parecer de maioria”, permitindo que o texto vá a plenário antes de seguir para o Senado. No total, 55 deputados assinaram o relatório favorável ao governo, mas 34 deles com “dissidência parcial”.
O processo não correu sem sobressaltos. Algumas forças racharam, e três deputados peronistas da província de Tucumán se rebelaram e ameaçaram se separar do bloco opositor e formar sua própria bancada, o que gerou surpresa e motivou críticas dos sindicatos em meio à greve. O trio acabou votando a favor de Milei.
“Estamos aqui para exigir dos deputados que fazem campanha cantando a marcha peronista, mas quando precisam rejeitar uma lei que vai contra os trabalhadores, escondem-se e temos que buscá-los em seus escritórios”, disse Pablo Moyano, líder dos caminhoneiros, durante discurso num palco montado em frente ao Congresso.
Os recuos do governo não são, contudo, suficientes para garantir que as reformas passarão.
A expectativa de Milei era de que a votação no plenário ocorresse ainda nesta quinta (25), numa sessão estendida. Mas as discordâncias que ainda rondam a proposta fizeram com que esse prazo fosse adiado para a semana que vem. Fala-se em terça-feira (30), mas não há confirmação oficial em relação à data.
Um dos principais obstáculos tem sido a taxação a produtores rurais. Apesar de ter dito na campanha que “antes de aumentar um imposto cortaria um braço”, o presidente agora não quer abrir mão da importante receita que a tributação das exportações agropecuárias rende à Argentina, ainda mais num contexto de ajuste fiscal.
A ideia é subir os impostos da soja (de 31% para 33%), trigo, milho (de 12% para 15%), carne bovina (de 9% para 15%) e produtos industriais (de 0% para 15%). O governo chegou a recuar com relação às chamadas “economias regionais”, como cítricos, algodão, erva-mate e tabaco, mas ainda assim enfrenta resistência.
“Nosso bloco permitiu que seu governo contasse com um parecer de comissão em tempo recorde, apesar da inédita minoria do governo no Congresso. […] Mas se sua sugestão é para que façamos ajustes na aposentadoria ou aumentemos os impostos, saiba que isso não vai acontecer. Isso não vai virar lei”, reagiu o deputado Rodrigo de Loredo, líder do bloco da UCR, nesta quarta.
A tensão subiu ainda mais com falas do ministro da Economia, Luis Caputo, interpretadas por governadores como uma ameaça —ainda que ele tenha dito o contrário. “Hoje tive uma reunião […] para delinear todos os repasses provinciais que serão cortados imediatamente se algum dos artigos econômicos [da lei ônibus] for rejeitado”, escreveu ele no X.
“O Ministro da Economia, que não teve a coragem de vir ao Congresso [explicar suas medidas], tem que parar de pressionar os governadores e tentar buscar acordos com os governos provinciais em vez de ameaçá-los”, respondeu o deputado Miguel Pichetto, presidente do bloco da oposição “dialoguista”.
O governo de Milei redobrou a pressão contra os líderes regionais nesta quinta (25) ao dizer que vai sugerir ao chefe do Ministério Público a criação de uma equipe especializada em investigar casos de corrupção de funcionários públicos, federais e provinciais, apesar de um grupo com essas funções já existir hoje.
Resta saber se até a próxima semana as rusgas entre o presidente e os parlamentares resultarão na aprovação ou rejeição de uma das maiores e mais velozes reformas que um presidente recém-empossado tenta fazer na Argentina.