Há alguns dias, o diretor da prestigiada publicação dos Estados Unidos Americas Quarterly, Brian Winter, escreveu em sua conta na plataforma X: “Estou achando difícil acompanhar os eventos na Argentina. Existem tantos jornalistas argentinos verdadeiramente extraordinários, mas o estilo sempre foi discursivo, quase literário. Na era Milei, as coisas estão se movendo tão rápido que às vezes você só quer as notícias. Os repórteres de lá, como em qualquer lugar, estão lidando com pressões financeiras extremas e menos recursos para reportagens verdadeiras. A maioria das mídias também tem sua ‘perspectiva’.”
Difícil não concordar com Winter, grande conhecedor da Argentina e do Brasil. Até mesmo os jornalistas baseados na própria Argentina vêm sofrendo com a falta de transparência do governo Javier Milei e com decisões que vão e vêm a cada tanto.
Além disso, se já era uma tradição ter pouco jornalismo realmente investigativo no país, a imprensa independente vem padecendo por falta de recursos, a mídia estatal está sob intervenção por um ano e Milei tem a intenção de privatizar a TV Pública, a agência de notícias Télam e a Rádio Nacional.
O que tem sido um tanto constrangedor, porém, é o comportamento dos grandes conglomerados de mídia, que passaram, nestes dois meses de gestão, de “normalizar” Milei a exaltar descaradamente o mandatário, cuja gestão cravou 20,6% de inflação no mês de janeiro e começou uma guerra com os governadores das províncias, dos quais cortou repasses e subsídios.
Na última semana, Milei foi novamente entrevistado pelos mesmos jornalistas de TV que o entrevistam sempre. Três aduladores que não fizeram uma só pergunta complicada. Ao longo da semana, em seus respectivos programas, todos reproduziram o que disse o presidente e reforçaram sua visão e suas frases. Esses são do canal televisivo do La Nación.
Já o Todo Notícias, que pertence ao grupo Clarín, também fez seus movimentos para ter jornalistas pró-Milei em seu plantel, como Jonatan Viale. Desde a campanha, ambas as emissoras vêm reforçando suas coberturas de casos de roubo e falta de segurança, pintando a periferia de Buenos Aires como se fosse uma Medellín dos anos de Pablo Escobar. As taxas de homicídio argentinas são muito mais baixas do que as de países como Brasil e México.
Quando Winter fala de “perspectivas” está praticamente usando um eufemismo. Trata-se de uma tomada de posição mesmo. O que acontece na “Argentina real” é assunto quase que apenas de programas de viagens, que mostram o que há de pitoresco nas províncias.
Milei decidiu que, todos os dias, seu porta-voz, Manuel Adorni, faça declarações dos feitos do governo, mais ou menos como faz Andrés Manuel López Obrador no México.
As “mañaneras” do país do norte são tediosas, propagandísticas e com pouco espaço para perguntas dos jornalistas. As de Adorni são marcadas pela soberba, e com respostas sempre preparadas para perguntas mais inconvenientes. São mais para proteger o governo do que para esclarecer de fato o que vem ocorrendo.
Como dizia o escritor Tomás Eloy Martínez (1934-2010), a Argentina nunca tinha se recuperado da diáspora de excelentes jornalistas da imprensa escrita que tiveram de se exilar nos anos 1970, primeiro por conta da Triple A (esquadrão da morte criado ainda durante os governos de Perón e Isabelita) e depois por conta da própria ditadura militar (1976-1983). Martínez, ele mesmo obrigado ao exílio na Venezuela, continua tendo razão nesse quesito.
Há, obviamente, exceções, mas na imprensa escrita predomina o colunismo e faltam reportagens. A frustrada “lei ônibus”, que Milei quis aprovar às pressas e depois mudou de ideia, retirando-a quando já estava praticamente aprovada, chegou ao público em geral quase sem explicações e com muita desinformação sobre seu conteúdo. A imprensa, aí, também falhou no didatismo ao não explicar o documento de forma clara e objetiva.
A situação só tende a piorar, considerando que o próprio Milei já demonstrou que não precisa desses meios tradicionais e fala diretamente com seus apoiadores pelas redes.
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