O sociólogo e ex-diplomata Bernardo Arévalo, 65, de centro-esquerda, enfim tomou posse como presidente da Guatemala, na madrugada desta segunda-feira (15), após várias horas de tensão e temores de ruptura democrática. Ele deu início ao mandato cinco meses depois de ser eleito.
Arévalo e sua vice derrotaram, em agosto passado, a ex-primeira-dama Sandra Torres, que era considerada favorita. Desde então, o país na América Central viveu submerso em incertezas políticas que colocaram a cerimônia de posse marcada para este domingo (14) em xeque.
O agora presidente foi empossado somente durante a madrugada, cerca de 9 horas além do horário previsto —a cerimônia devia começar às 16h (horário local). O atraso se deu em razão de disputas políticas no Congresso guatemalteco e gerou tensão aos participantes e convidados, entre os quais os presidentes Gabriel Boric (Chile) e Gustavo Petro (Colômbia), além do rei da Espanha, Felipe 6º, e do chefe da diplomacia da União Europeia, o espanhol Josep Borrell.
O Brasil foi representado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e o diplomata Benoni Belli, escolhido pelo governo Lula (PT) para representar o país na OEA (Organização dos Estados Americanos), que enviou uma pequena delegação à posse também em mensagem de apoio ao rito democrático.
O impasse se deu em decorrência de uma decisão judicial de domingo que determinou que os legisladores do Semilla, o partido de Arévalo, assumissem seus cargos como independentes, não sob o signo da legenda, suspensa pela Justiça em agosto do ano passado.
Apesar de serem minoria parlamentar, os deputados do Semilla conseguiram, após debates acalorados e pressão internacional, angariar o apoio de outras legendas para reverter a decisão contra eles. Além de recuperar a bancada, a legenda conquistou a presidência do novo Congresso.
A incerteza em torno da posse de Arévalo fez com que representantes dos Estados Unidos, da União Europeia, da OEA e presidentes latino-americanos presentes na Guatemala instassem o Congresso a cumprir a vontade expressa pelos guatemaltecos nas urnas.
A espera foi tão longa que alguns dos convidados, como o rei Felipe 6º da Espanha, deixaram a Guatemala sem ver Arévalo com a faixa presidencial.
Após o imbróglio, Arévalo prometeu não promover agendas políticas “por meio da violência” em seu primeiro discurso como presidente. Também disse que não permitirá corrupção. A Guatemala ocupa o 30º lugar entre 180 países no ranking de corrupção da Transparência Internacional e tem 60% de seus 17,8 milhões de habitantes vivendo na pobreza, um dos índices mais altos da América Latina.
A situação leva um número cada vez maior de guatemaltecos a deixarem o país, e o destino de muitos são os EUA. Desde 2020, eles foram a segunda nacionalidade que mais tentaram cruzar a fronteira sul do país, com o México, correspondendo a 12% dos migrantes ali encontrados pela Patrulha da Fronteira americana. Somente no último ano fiscal (de outubro de 2022 a setembro de 2023), foram mais de 213 mil cidadãos da Guatemala detidos.
“A crise política da qual estamos saindo nos oferece a oportunidade única de construir uma institucionalidade democrática robusta e saudável sobre os escombros desse muro de corrupção que estamos começando a derrubar, um por um, tijolo por tijolo”, disse Arévalo na cerimônia.
A tensão política, contudo, permanece mesmo após a posse. Arévalo disse que pedirá nos próximos dias a renúncia da procuradora-geral Consuelo Porras, que liderou a ofensiva judicial contra ele e é sancionada por Washington por “corrupção” e por “minar a democracia”. Nos últimos meses a Procuradoria-Geral da República tentou retirar a imunidade do presidente eleito, dissolver seu partido e anular o pleito, argumentando que houve “anomalias eleitorais”.
Vítima de perseguição jurídica que tentou cassar sua eleição nos últimos meses, Arévalo tampouco terá missão fácil à frente da Presidência da Guatemala. Isso porque, apesar de sua vitória representativa, com 58% dos votos, seu partido conseguiu apenas 23 das 160 cadeiras do Legislativo unicameral.
A legenda conservadora Vamos, de Giammattei, e a UNE, da ex-primeira-dama Sandra Torres, podem assim barganhar juntos vitórias e atrapalhar os planos do governo. Arévalo fica à frente do país até 2028, quando um novo pleito deve ser realizado.
Arévalo substitui o direitista Alejandro Giammattei, acusado de manter vínculos com a “elite corrupta” —em seu governo, dezenas de promotores, juízes e jornalistas que denunciaram atos de corrupção foram exilados.
Com bandeiras, músicas e danças, milhares de apoiadores do presidente eleito celebraram a posse na Plaza de la Constitucion, em frente ao Palácio Nacional. Após a cerimônia Arévalo foi a um comício com centenas de indígenas para agradecer pelo apoio. “Vamos trabalhar para acabar com a história de marginalização e exclusão”, disse ele.
O imbróglio pós-eleições na Guatemala
25.jun.23 Arévalo surpreende e vai ao 2º junto com Sandra Torres
2.jul.23 Suprema Corte pede anulação dos resultados do 1º turno por suspeitas de irregularidade, mas TSE confirma que haverá 2º turno
12.jul.23 Tribunal ordena suspensão do Semilla, partido de Arévalo; Supremo reverte a decisão mas depois recua
20.ago.23 Surpresa no 1º turno, Arévalo é eleito presidente
25.ago.23 Líder eleito diz ser alvo de plano de assassinato
14.set.23 Arévalo interrompe transição após procuradores abrirem caixas de votação
16.nov.23 Ministério Público afirma que vai pedir a retirada da imunidade do presidente eleito
14.jan.24 Arévalo tenta tomar posse, mas cerimônia é atrasada em meio a manifestações
15.jan.24 Presidente eleito toma posse com nove horas de atraso