O mundo acordou neste domingo (25) paradoxalmente mais perto e mais longe de uma guerra ampla no Oriente Médio. A pior escalada militar entre Israel e o Hezbollah desde 2006 visa evitar um conflito aberto, mas fica apenas a um erro de cálculo de exatamente o oposto.
Considere o relato mais detalhado, embora não necessariamente mais correto, do que aconteceu: o das Forças Armadas de Israel. Segundo os militares, seu ataque preventivo contra o que seria uma ação devastadora do grupo libanês envolveu cem caças e atingiu 40 alvos no Líbano.
É uma escala devastadora, mas até aqui o número de vítimas relatado é mínimo. Coisa que não se viu na Faixa de Gaza e seus mais de 40 mil mortos após o atentado do Hamas que abriu a caixa de Pandora na região em outubro passado.
Isso sugere um recado tanto de acurácia militar quanto de intenção política: o governo de Binyamin Netanyahu poderá dizer ao público doméstico que está pronto para o pior no norte e, ao mesmo tempo, demarca uma linha supondo uma parada.
A resposta do Hezbollah, seguindo aqui o que disseram as Forças Armadas israelenses, foi maciça: 320 artefatos, a maioria foguetes Katiucha, que ou foram interceptados, ou não causaram maiores danos. O artefato de artilharia é dos mais rudimentares à disposição do grupo fundamentalista xiita, com baixa precisão e pouco alcance —as versões mais modernas não passam de 12 km.
Ao mesmo tempo, é uma grande ação, que poderá ser celebrada nos usualmente coloridos vídeos de propaganda do Hezbollah. Por fim, se um ataque saturado é mais difícil de conter, o foguete é mais facilmente abatido do que outras de suas armas pelo sistema Domo de Ferro israelense.
Assim, apesar de dizer que é apenas uma primeira fase de retaliação pela morte do comandante Fuad Shukr, no mês passado, o Hezbollah insinuou que pode ficar nisso. Até falou que não usou armas de precisão desta vez, mas que pode vir a usar.
Por ora, a salva tem efeito semelhante ao do ataque israelense: estamos prontos para atacar mesmo sob fogo. Território demarcado, deixamos a guerra para outro dia, mantendo o atrito atual.
Não é muito diferente do que ocorreu com o Irã em abril. Tendo tido militares de alta patente mortos num ataque a seu território, um consulado no caso, na Síria, Teerã enviou centenas de mísseis e drones de forma quase telegrafada, antecipada havia dias por Israel e seus aliados, que basicamente abateram toda a onda.
O fato é que ninguém quer a guerra total. O Estado judeu ainda está envolvido com sua cruenta operação em Gaza, e um embate direto com o Hezbollah seria mais custoso para sua população civil, além de arriscar de fato a entrada do Irã e seus prepostos no conflito.
Teerã, aliás, ainda está devendo sua prometida retaliação pela humilhante execução do líder do Hamas em uma casa protegida na capital, horas depois que Shukr foi explodido por mísseis israelenses.
Como o Hezbollah, o regime precisa dar uma resposta que não desande numa guerra ampliada —em especial com dois grupos de porta-aviões americanos em torno de suas águas. Para piorar, o país está em um momento de grande instabilidade política e social.
Já o grupo fundamentalista, por forte que seja, sabe dos riscos existenciais de uma nova guerra com Israel, após sair com um empate que teve gosto de vitória há 18 anos. Fora que arriscaria o apoio da população do Líbano, onde é importante ator político.
Esse cenário medianamente otimista é turvado pelos riscos enormes que a tática de lado a lado traz. Se de fato o Hezbollah estava preparando um ataque estratégico, mirando grandes centros urbanos com mísseis poderosos e não vilarejos de fronteira com foguetes soviéticos originários da Segunda Guerra Mundial, muita coisa poderia ter dado errado.
Um mero acerto contra Tel Aviv seria “casus belli” suficiente para Netanyahu. Foi assim com os houthis do Iêmen quando os rebeldes apoiados pelo Irã conseguiram fazer passar um mero drone pelas defesas aéreas e atingiu a cidade. A resposta foi a obliteração do porto de Hodeidah, no mar Vermelho.
Não menos importante, no contexto, é a política. Uma guerra com o Hezbollah é vista como inevitável no médio prazo, e a ideia tem apoio razoável entre a população israelense: cerca de 80 mil pessoas já tiveram de ser retiradas das faixas fronteiriças com o Líbano.
Com um eventual cessar-fogo em Gaza à vista, Netanyahu não dispensaria uma nova guerra para justificar sua permanência no poder. A linha-dura israelense acredita que, uma vez que o demônio está fora da garrafa, é hora de aproveitar e acertar as contas regionais, e sem ela o premiê não governa.
Por isso Netanyahu, a exemplo do Hezbollah, diz que a crise não acabou. O equilíbrio proporcionado pela ideia de escalar para distensionar é, no mínimo, precário.