Azeris, bengalis, indianos, mexicanos, tunisianos. A enfermeira brasileira Géssica Calixto, 34, trabalha ao lado de profissionais de todo o mundo no hospital Charité, em Berlim, um dos maiores da Europa.
A diversidade ilustra o esforço crescente da Alemanha para atrair mão de obra de outros países —incluindo o Brasil, que, 200 anos depois de receber seus primeiros imigrantes germânicos, vem contribuindo com um fluxo cada vez mais numeroso para a nação europeia.
A migração é vital para a sobrevivência de alguns setores da economia alemã. Como outros países desenvolvidos, a Alemanha hoje sofre com a redução da natalidade e com o envelhecimento de sua população. E, embora tenha políticas mais favoráveis a refugiados do que muitos de seus vizinhos, lida com carência de mão de obra em diversas frentes.
A crise demográfica só faz aumentar a demanda por profissionais de algumas dessas áreas. São exemplos a enfermagem e o cuidado de idosos, ocupações que se tornam mais necessárias à medida que a população envelhece, e profissões ligadas ao ensino infantil, fundamental para sustentar as políticas do governo que buscam incentivar a população a ter filhos.
Foi nesse contexto que, em 2020, a Alemanha aprovou a Lei de Imigração Qualificada, que facilita a vinda de profissionais do que eles chamam de “países terceiros” —isto é, que não pertencem à União Europeia— com experiência prática ou treinamento vocacional em determinadas áreas. A lista oficial contempla mais de 20 ocupações em que há carência de mão de obra no país.
Além disso, o governo da nação europeia vem desde 2022 firmando acordos de facilitação de migração com nações específicas, como Índia, Geórgia, Marrocos e Colômbia, e negocia tratados semelhantes com outros países —incluindo o Brasil, com quem o Ministério de Trabalho alemão recentemente assinou uma declaração de intenções para promover a migração de trabalhadores.
Isso sem falar em parcerias entre o governo alemão com setores ou órgãos específicos, como o acordo que ele firmou com o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) em 2022 para facilitar a ida de enfermeiros brasileiros para a Alemanha, e da atuação intensa de empresas de recrutamento alemãs no Brasil.
Foi por meio de uma dessas empresas de recrutamento que Calixto foi para a Alemanha. Ela conta que estava em busca de novas experiências quando ouviu falar de um processo seletivo para fazer um treinamento no Hospital Rainha Elizabeth, em Berlim, em meados de 2021.
“Quando eu vi as primeiras reportagens, achei que era um golpe”, diz. “O processo de migração de enfermeiros para cá é muito facilitado.”
Calixto iniciou as aulas de alemão e a preparação da documentação assim que foi selecionada no processo. Quase todos os custos, inclusive a passagem aérea, foram pagos pela empresa de recrutamento, com dinheiro do governo alemão. Em cerca de um ano, estava a bordo de um avião para o país europeu.
Uma vez na Alemanha, no entanto, nem tudo foi tão simples. Calixto afirma que o grupo de cerca de 20 brasileiros selecionados para o programa de treinamento em Berlim do qual ela fazia parte enfrentou bastante resistência por parte dos colegas de trabalho.
Ela dá como exemplo as ocasiões em que eles usavam um nível de alemão superior ao dela para se comunicarem, sabendo que ela não os compreenderia. “Entendíamos que isso era proposital, para dificultar a integração na equipe”, diz. No fim do processo, a maioria dos brasileiros acabou pedindo demissão do hospital, incluindo ela.
A pedagoga brasileira Kathleen Mello, 24, diz não ter vivenciado uma experiência parecida. Ela conta que nem sequer falava alemão quando foi contratada para o seu primeiro emprego, como professora de jardim de infância para crianças de 3 a 6 anos em Stuttgart, no sudoeste do país. “Tudo o que aprendi foi trabalhando”, diz, acrescentando que muitas vezes foram os pequenos que ensinaram a língua, corrigindo sua pronúncia e suas escolhas vocabulares.
Mello afirma que sempre sonhou em morar fora do país. Assim, quando prestou vestibular, aceitou o conselho da irmã mais velha, que já vivia na Alemanha, e escolheu pedagogia, curso que segundo os relatos da primogênita sempre aparecia nos anúncios de emprego.
Apesar de não ter contado com subsídios como Calixto, Mello diz que o processo de migração e de busca de emprego foi muito mais simplificado do que esperava. Ela hoje faz um curso de equivalência para ter seu diploma em pedagogia reconhecido no país europeu —mas, grávida de cinco meses, pretende voltar ao Brasil com o marido, alemão, no fim deste ano, e viver na terra natal durante os primeiros anos do bebê.
Aqueles que, como Mello, desejam ir para a Alemanha mas não têm um contrato de emprego prévio, podem contar com uma série de iniciativas patrocinadas pelas autoridades do país europeu. Neste mês, por exemplo, entra em vigor o cartão de oportunidades, que impulsiona migrantes a se mudarem para a Alemanha para buscar emprego já em seu território.
O programa se baseia em um sistema de pontos no qual fatores como idade, experiência e formação profissional, conhecimentos da língua alemã e contato prévio com a cultura correspondem cada um a uma determinada quantidade de pontos. Candidatos que obtiverem uma determinada pontuação mínima têm um ano para procurar uma ocupação compatível com as suas qualificações.
Outro projeto é o Pré-Integração no Brasil, vinculado ao Instituto Goethe, de promoção da cultura alemã pelo mundo. A gerente da iniciativa, Carla Pereira, diz que ela foi implementada em 2020 como um piloto para a América Latina. Desde então, já ajudou cerca de 4.500 pessoas e se expandiu por toda a região.
Pereira ressalta que a iniciativa não recruta profissionais, não divulga vagas de emprego e não presta serviços de consultoria. Também não busca convencer ninguém a se mudar para a Alemanha.
Sua função é ensinar migrantes em potencial a se orientar e encontrar informações confiáveis em um país com uma burocracia não só complexa como, em grande parte, analógica —toda a comunicação oficial entre o governo e os cidadãos ainda é feita por cartas, por exemplo.
“É o que chamamos de treinamento intercultural”, diz Pereira. “Damos subsídios para que as pessoas consigam fazer suas próprias avaliações.”
Ensinar os outros a ter autonomia é, aliás, uma noção particularmente importante na cultura alemã, nota a gerente. A tal ponto que existe que eles têm uma expressão própria para isso: “Hilfe für Selbsthilfe”, algo como “ajudar as pessoas a ajudarem a si mesmas”.