O primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, nunca foi tão impopular. No poder desde 2021, o social-democrata possui atualmente o menor nível de confiança entre os eleitores do que qualquer premiê desde 1997 –início da série histórica da pesquisa Deutschlandtrend. Segundo levantamento divulgado na quinta-feira (7), apenas 20% dos alemães mostram satisfação com o atual primeiro-ministro, enquanto 78% se mostram insatisfeitos.
Considerando todo o atual governo alemão, que, além dos social-democratas liderados por Scholz, conta com uma coalizão formada por verdes e liberais, o percentual é ainda pior. Apenas 17% dos eleitores estão satisfeitos, no momento, com o trabalho do governo federal, um novo recorde negativo para a atual administração. Segundo a pesquisa, 82% expressam críticas ao governo.
Embora esse percentual represente uma nova marca negativa para o governo nos últimos dois anos, a reprovação sobre a performance geral ainda está levemente abaixo de recordes negativos registrados pelas administrações de Gerhard Schröder (SPD), em novembro de 2003 (11%), ou de Angela Merkel (CDU), em 2010 (12%), segundo o jornal Die Welt.
Mas o mesmo levantamento divulgado na quinta-feira mostra que os números negativos de Scholz não param por aí. Apenas 48% dos eleitores avaliam que o premiê age de “maneira prudente”, somente 27% acreditam que ele está “à altura do cargo” –uma queda de 20 pontos em relação a abril de 2022– e 23% acreditam que Scholz é capaz de “liderar bem o país durante uma crise”. Por fim, apenas 12% endossam que o premiê tem capacidade de se comunicar de forma convincente.
Para a Deutschlandtrend, o instituto Infratest dimap entrevistou um total de 1.364 eleitores na Alemanha de segunda (4) a quarta-feira (6). A margem de erro é de dois a três pontos percentuais.
Impopularidade dos partidos da coalizão liderada por Scholz
Os maus números do governo também vêm se refletindo nas intenções de voto dos três partidos da coalizão governamental: Partido Social Democrata (SPD), Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão) e Partido Verde. Em setembro de 2021, na última eleição federal, os três partidos juntos somaram 52%, o suficiente para contar com uma maioria simples no Bundestag, o Parlamento alemão, e formar um governo.
No entanto, dois anos depois, os três partidos aparecem em declínio entre o eleitorado. Se uma nova eleição fosse realizada neste momento, os três partidos poderiam contar com apenas 33% do eleitorado, mostra a pesquisa Deutschlandtrend –bem abaixo da marca necessária para deter o controle do governo.
A próxima eleição federal está marcada para outubro de 2025. A oposição conservadora no Parlamento, sentindo a fraqueza do governo, tem pressionado pela realização de uma votação de confiança no Bundestag, que poderia desencadear eleições antecipadas. Esse cenário, contudo, parece improvável, considerando que o governo Scholz tem maioria na Casa.
Na atual coalizão de governo, o Partido Social Democrata de Scholz aparece com o maior declínio em pontos percentuais na intenção de voto do eleitorado. Ele registra 14%, contra 25,7% conquistados na eleição de 2021.
Os verdes, que somaram 14,8%, saem-se melhor. Eles registram atualmente 15%, praticamente a mesma marca de dois anos atrás, mas contrastando com a tendência de crescimento que registraram no início dos anos 2020.
Já os liberais (FDP) registram o declínio proporcionalmente mais dramático: em 2021, o partido somou 11,5% dos votos, porém agora tem apenas 4% das intenções. Caso uma eleição fosse organizada hoje, os 4% dos liberais ficariam abaixo da cláusula de barreira de 5%. Dessa forma, eles nem conseguiriam formar uma bancada no Parlamento, muito menos compor um governo.
A pesquisa ainda mostra que a União Democrata-Cristã (CDU), partido da ex-chanceler Angela Merkel e que atualmente está na oposição, é a principal legenda beneficiada pela insatisfação com o governo de Olaf Scholz. Na intenção de votos, a legenda soma 32% –acima da marca de 24,1% nas eleições de 2021. Na sequência, aparece o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), outro beneficiado com a reprovação do governo, que conta atualmente com 21% –mais que o dobro dos 10,3% conquistados em 2021.
Recessão e aumento do custo de vida
A avaliação negativa do governo Scholz ocorre após uma esteira de crises que afetaram a Alemanha desde o início de 2022. Com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, a Alemanha passou a sofrer uma crise de energia, responsável por elevar os preços, enquanto o país tentava se desdobrar e encontrar outras fontes para diminuir sua dependência de gás barato russo.
A crise de 2022 ocorreu em meio à tentativa do país de se recuperar do declínio sofrido durante a pandemia. O aumento dos preços não afetou apenas os consumidores, mas também a indústria. Paralelamente, os alimentos sofreram uma alta considerável.
Em 2022, a Alemanha fechou o ano com inflação de 7,9%, a maior taxa anual registrada no país desde a reunificação, em 1990. O percentual superou até mesmo o recorde anterior para a antiga Alemanha Ocidental, de 7,6% em 1951.
Ainda assim, a economia alemã conseguiu crescer 1,9% em 2022, apesar da crise energética e da Guerra da Ucrânia, segundo dados divulgados em janeiro.
Em 2023, no entanto, mesmo com uma baixa da inflação e queda nos preços de energia, a performance da economia deve ser pior que a do ano passado. Segundo projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Alemanha caminha para ser a grande economia com pior desempenho em 2023, e deve sofrer uma retração de 0,5%.
Apesar de a inflação ter caído acentuadamente nos últimos meses, os consumidores ainda relutam em aumentar seus gastos. O mercado de consumo alemão, que representa cerca de dois terços do PIB, caiu 0,3% no terceiro trimestre.
Já as exportações alemãs caíram 0,8%, ao passo que as importações diminuíram mais acentuadamente, 1,3%.
O quadro de recessão pode ser exemplificado pela construção civil. Em outubro, houve um aumento de 22,2% no número de projetos cancelados –o maior desde 1991. Na Alemanha, o setor de construção contribui com 6% do PIB do país e por um em cada dez empregos.
Crise orçamentária levanta questionamentos sobre capacidade de liderança de Scholz
Em meio ao quadro econômico persistentemente negativo, o governo Scholz ainda passou a ter que lidar desde novembro com uma crise do orçamento federal, a qual provocou críticas ao estilo de governar do premiê.
A nova crise teve início em 15 de novembro, quando o Tribunal Constitucional da Alemanha determinou que o orçamento para 2024 violava regras do “freio da dívida” alemão. Esse foi instituído em 2009 e restringe o déficit orçamental do país a cerca de 0,35% do seu PIB. Por anos, o “freio da dívida” foi uma vitrine do rigor fiscal da Alemanha.
Mais especificamente, o tribunal, após ser acionado pela oposição conservadora, barrou os planos do premiê de direcionar € 60 bilhões de sobras de um fundo de emergência instituído durante a pandemia para um fundo climático e de transformação, que visava fomentar uma revolução verde na Alemanha e modernizar a indústria do país. Em 2021, a própria costura da coalizão do governo Scholz havia sido montada sobre a premissa que o governo seria capaz de contornar o freio e usar esses fundos para projetos defendidos pelos diferentes partidos que compõem o governo.
Agora, com a decisão do tribunal, o governo tem tentado negociar soluções para readequar o orçamento e deslocar fundos.
A decisão aumentou a pressão sobre o já turbulento governo do Scholz. Após a eclosão da nova crise, a revista semanal Der Spiegel chamou, em uma de suas capas, o premiê de “sabe-tudo” que está no processo de “conduzir o país ao caos financeiro”.
A decisão também provocou rachaduras na coalizão de governo, com o SPD de Scholz e os Verdes se mostrando favoráveis de um relaxamento das regras do freio para criar espaço no orçamento. No entanto, os liberais parecem determinados a manter o limite da dívida em vigor. Neste momento, Scholz, o vice-premiê, Robert Habeck (Verdes), e o ministro das Finanças, Christian Lindner (FDP), ainda procuram tapar um buraco de € 17 bilhões no orçamento para 2024.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) alertou em 23 de novembro que a crise orçamentária da Alemanha pode prejudicar ainda mais a economia europeia nos próximos anos. “Se houver menos investimentos e gastos na Alemanha nos próximos anos porque há menos dinheiro disponível, isso terá inevitavelmente um impacto na economia da UE”, disse Robert Grundke, chefe do departamento alemão da OCDE.
Apesar da rigidez do freio da dívida, que já vinha sendo alvo de críticas antes mesmo dessa crise, uma pesquisa divulgada no fim de novembro pela emissora ZDF mostrou que 61% dos alemães são favoráveis à manutenção do mecanismo fiscal, mostrando mais um descompasso entre a maioria do eleitorado e os planos de Scholz. Apenas 35% se mostraram favoráveis a uma flexibilização.