Um dos mais novos âncoras de noticiário da Venezuela apresenta as manchetes do dia sentado em um banco, vestido com uma camisa de flanela e calça jeans. Ele se chama El Pana, uma gíria venezuelana para “amigo”.
Mas ele não é real. El Pana e sua colega, La Chama, são gerados por meio de inteligência artificial, embora tenham aparência, som e movimento realistas. Eles foram criados pela organização Connectas como parte da iniciativa Operação Retweet —o nome faz referência à ação de compartilhamento de conteúdo da rede X, antigo Twitter.
Com sede na Colômbia e liderada pelo diretor Carlos Huertas, o projeto tem o intuito de publicar notícias de meios de comunicação independentes na Venezuela e, no processo, proteger os repórteres, já que o regime ditatorial lançou uma repressão contra jornalistas e manifestantes.
“Decidimos usar a inteligência artificial para ser o rosto das informações que estamos publicando”, disse Huertas em uma entrevista, “porque nossos colegas que ainda estão fazendo seu trabalho estão enfrentando muito mais riscos“.
Pelo menos dez jornalistas foram detidos desde meados de junho e oito continuam presos sob acusações como terrorismo, de acordo com a Repórteres Sem Fronteiras.
“Aqui, o uso da inteligência artificial é quase como uma mistura entre tecnologia e jornalismo“, disse Huertas, explicando que o projeto busca “contornar a perseguição e a crescente repressão” da ditadura, pois não há ninguém que possa ser preso.
A oposição do país e os grupos de direitos humanos afirmaram que as recentes prisões de manifestantes, figuras da oposição e jornalistas fazem parte de uma repressão do regime com o objetivo de acalmar a disputa eleitoral, às vezes violenta, que já dura um mês.
O Ministério das Comunicações da Venezuela não respondeu a um pedido de comentário sobre a iniciativa de inteligência artificial. Nenhuma autoridade respondeu aos repetidos pedidos de comentário da Reuters sobre as prisões de jornalistas nas últimas semanas.
Tanto a oposição quanto o ditador Nicolás Maduro reivindicam a vitória na eleição de 28 de julho. Maduro, no poder desde 2013, é apoiado pela Tribunal Superior de Justiça (TSJ) e pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que não publicou a contagem completa dos votos —segundo eles, devido a um ataque cibernético.
A oposição compartilhou o que dizem representar 80% das contagens de votos, mostrando uma vitória retumbante para seu candidato Edmundo González. Alguns observadores internacionais e muitos países ocidentais disseram que as condições da eleição foram injustas e exigiram a apuração total dos votos.
A Justiça venezuelana determinou nesta segunda-feira (2) um mandado de prisão contra González, depois que ele ignorou pela terceira vez intimação para que prestasse depoimento em investigação criminal aberta após opositores acusarem fraude no pleito.
Desde o pleito eleitoral, os protestos resultaram em pelo menos 27 mortes e 2.400 prisões. Maduro e seu regime chamam os manifestantes de fascistas e dizem que eles incitam o ódio a mando de países como os Estados Unidos. Washington nega as acusações.