As mulheres africanas são 130 vezes mais propensas a morrer devido a complicações na gravidez ou no parto do que as mulheres da Europa e da América do Norte. O dado foi divulgado pelo Fundo da População da ONU, Unfpa, na quarta-feira.
O relatório Vidas entrelaçadas, fios de esperança: acabando com as desigualdades na saúde e nos direitos sexuais e reprodutivos revela que mais da metade de todas as mortes maternas evitáveis ocorre em países em estado de crise ou miséria.
Saúde sexual e reprodutiva
O texto ainda destaca que o racismo, o sexismo e outras formas de discriminação bloqueiam o progresso em questões de saúde sexual e reprodutiva. Além disso, mulheres e meninas que vivem na pobreza têm maior probabilidade de morrer prematuramente devido à falta de assistência médica se pertencerem a grupos minoritários ou estiverem em áreas de conflito.
Para a diretora do Unfpa em Londres, Mónica Ferro, a incapacidade do mundo de chegar aos mais marginalizados deve-se, em grande parte, à “falta de vontade de enfrentar os legados de desigualdade de género, discriminação racial e desinformação que estão na base dos nossos sistemas de saúde.
Segundo o relatório, de modo geral, houve avanços significativos na saúde sexual e reprodutiva, que se tornou uma prioridade de desenvolvimento sustentável global há três décadas.
Mónica Ferro aponta que a mortalidade materna mundial diminuiu 34%, o número de mulheres que utilizam contracepção duplicou e 162 países adoptaram leis contra a violência doméstica. No entanto, ela vê uma estagnação desse progresso, sobretudo para os mais marginalizados.
Progresso estagnado
No entanto, o relatório alerta que um quarto das mulheres não possui autonomia para negar sexo com seu parceiro e quase uma em cada 10 não tem voz sobre contracepção.
Além disso, 800 mulheres morrem todos os dias ao dar à luz, um número que o Unfpa considera preocupante e que permanece inalterado desde 2016. Cerca de 500 dessas mortes evitáveis por dia estão ocorrendo em países que passam por crises humanitárias e conflitos.
A diretora executiva do Unfpa, Natalia Kanem, aponta que o “mundo não fez nenhum progresso para salvar as mulheres de mortes evitáveis durante a gravidez e o parto”.
Ela acrescentou que, pela primeira vez, foram coletados dados sobre o fortalecimento da autonomia corporal das mulheres ao longo do tempo. Em 40% dos países onde há informações disponíveis, a autonomia está enfraquecendo devido à incapacidade de alcançar “os mais atrasados”.
Há uma clara disparidade entre o Norte e o Sul, o Oeste e o Leste do mundo, quando se trata de contraceptivos, serviços de parto seguro, assistência respeitosa à maternidade e outros serviços essenciais, segundo o relatório.
Bolsões de desigualdade
No entanto, mesmo dentro dessas regiões, há “bolsões de desigualdade”. Segundo o relatório, as mulheres afrodescendentes nas Américas enfrentam taxas de mortalidade materna mais altas em comparação com as mulheres brancas, o que é especialmente evidente nos EUA, onde essa taxa é três vezes maior que a média nacional.
As minorias indígenas e étnicas também enfrentam riscos elevados relacionados à gravidez e ao parto. Na Europa, na Albânia, por exemplo, mais de 90% das mulheres roma e sinti dos grupos socioeconômicos mais marginalizados tiveram sérios problemas de acesso à assistência médica, em comparação com apenas 5% das que fazem parte da etnia albanesa dos estratos mais privilegiados.
Além disso, as mulheres com deficiências têm até 10 vezes mais probabilidade de sofrer violência de gênero, e os indivíduos com orientação sexual e expressão de gênero diferentes enfrentam violência e barreiras significativas ao atendimento.
Não há soluções do tipo “tamanho único”
O relatório destaca a importância de adaptar os programas às necessidades das comunidades e capacitar mulheres e meninas para criar e implementar soluções inovadoras.
A publicação também calcula que, se mais US$ 79 bilhões forem investidos em países de baixa e média renda até 2030, 400 milhões de gestações não planejadas poderiam ser evitadas. Nessa realidade, cerca de 1 milhão de vidas poderiam ser salvas e US$ 660 bilhões em benefícios econômicos poderiam ser gerados.
Segundo a chefe do Unfpa, a capacidade de garantir os direitos à saúde reprodutiva é outro grande desafio. Kanem reafirma ser “responsabilidade dos homens serem defensores dos direitos reprodutivos das mulheres, dos direitos reprodutivos de todos”.
Recomendações
Para Mónica Ferro, é necessário trabalhar com o governo e os líderes comunitários para reformular as estruturas e os sistemas e garantir que todos os 8 bilhões de pessoas no mundo sejam incluídos e contribuam para um futuro mais justo.
Ela recomenda a eliminação dos preconceitos dos sistemas de saúde e a garantia de cuidados equitativos para todos, além de citar a importância da captação de dados entre os grupos marginalizados.
A diretora do Unfpa em Londres ainda sugere mais investimento para acabar com as desigualdades que ainda dividem as sociedade e o combate as disparidades causadas pelas alterações climáticas, pelos conflitos e pela evolução demográfica.