Um dia depois de mais uma conturbada eleição geral, o Paquistão entrou em um estado de conflito político aberto nesta sexta (9). O ex-premiê Nawaz Sharif se declarou vitorioso antes do fim da apuração, que foi apontada como fraudulenta por diversos rivais e observadores.
Era uma crise anunciada. Na semana que antecedeu a votação, o também ex-premiê Imran Khan, preso desde agosto de 2023, recebeu três sentenças consecutivas, naquilo que seus apoiadores afirmam ser uma perseguição política com a apoio do Judiciário.
Na véspera do pleito, 26 pessoas morreram em dois atentados a bomba atribuídos ao Estado Islâmico. As ações deram a justificativa para o governo reforçar os controles de movimento pelo país e suspender o serviço de telefonia móvel, sob a alegação de evitar novos atentados.
Ainda assim, houve violência e ao menos nove pessoas morreram em ações diversas. Os principais partidos de oposição, o PTI de Khan e o PPP de Bilawal Bhutto Zardari, acusaram o governo de favorecer Sharif desorganizando a comunicação entre eleitores.
No Paquistão, é praxe partidos levarem seus apoiadores para votar, em um sistema promíscuo no qual o voto é praticamente público, já que os partidos controlam o registro de seus eleitores nas zonas eleitorais. Sem celular, muita gente ficou sem saber onde pegar a van para ir votar.
E há a questão das fraudes. No início da noite de quinta (8), os primeiros resultados mostravam uma grande quantidade de votos para o PTI e para candidaturas independentes apoiadas por Khan.
Já na sexta, o sistema de contagem começou a ficar lento e parou, algo que nunca havia acontecido. A Comissão Eleitoral alegou um “erro técnico”, mas o fato é que a partir daí o PML-N de Sharif passou a aparecer com mais votos no escrutínio.
“Foi fraude”, disse ao jornal Dawn o candidato Shoaib Shaheen, que disputava uma vaga ao Parlamento pelo distrito NA-47, no centro da capital, Islamabad. Na quinta à noite, segundo ele, seu nome tinha 50 mil votos e havia sido declarado vencedor, só para ver a cadeira ir para um candidato aliado de Sharif na sexta à tarde.
Premiê por três vezes, Nawaz Sharif não se importou. Pouco antes das 20h locais (meio-dia em Brasília), ele declarou que seu PML-N era “o maior partido da eleição” e defendeu uma aliança com o PPP para governar. Detalhe: ele não disse quantos votos recebeu, e a apuração ainda estava em curso.
Naquela hora, a Comissão Eleitoral havia contado a partilha de poder entre 201 das 265 vagas de forma majoritária —quem tiver mais voto, leva. Outras 60 vagas são divididas de forma proporcional à votação dos partidos e reservada a candidatas mulheres, e 10 são separadas da mesma forma para não-muçulmanos.
Segundo a comissão, às 20h os candidatos independentes lideravam a disputa com 80 votos, mas não foram divulgados dados de outras siglas. Sharif parece se apoiar no fato de que, como são alinhados a Khan mas não integram o partido dele, o PML-N terá ao fim recebido mais votos enquanto agremiação.
A confusão parece certa. No fim da tarde de quinta já havia protestos registrados no Balochistão, província no sudoeste do país onde a violência entre grupos terroristas islâmicos, o Estado e o vizinho Irã é a norma, e em Khyber-Pukhtunkhwa, no coração das famosas áreas tribais junto ao Afeganistão, onde nasceu o Talibã que voltou ao poder em Cabul em 2021.
Depois que Khan foi derrubado do poder, em abril de 2022, o irmão de Sharif, Shehbaz, assumiu como primeiro-ministro. Isso durou até agosto passado, mesmo mês em que Khan voltou para a cadeia após ter sido solto numa investigação sobre corrupção.
Shehbaz passou o cargo para um interino independente mas próximo, Anwaar-ul-Haq Kakar, e a nova eleição foi marcada. Sharif é o candidato do Exército, a principal força política da nação.
O Paquistão é o quinto país mais populoso do mundo, com 241 milhões de habitantes, e é a única potência nuclear muçulmana. Já travou quatro guerras com a Índia, de quem foi separado em 1947, esteve no centro dos conflitos pós-11 de Setembro e, no mês passado, trocou fogo com o Irã.