Proibir o aborto em todo o território americano por meio de uma lei federal. Esta é a principal pauta do movimento contra a interrupção da gravidez nos Estados Unidos, que se reuniu em sua tradicional “Marcha pela Vida” em Washington nesta sexta-feira (19).
Garantir o direito ao aborto em todo o território americano por meio de uma lei federal. Esta é a promessa à qual a campanha de Joe Biden dá prioridade máxima.
Em cima do muro está Donald Trump: ao mesmo tempo em que ele reivindica para si a derrubada, pela Suprema Corte, da Roe vs. Wade, decisão que amparava a legalidade do procedimento em todos os estados do país, o republicano se nega a responder claramente qual é sua posição sobre o assunto, temendo perder votos.
“Foi uma decisão terrível”, chegou a dizer sobre o empresário, sobre o banimento ao aborto após seis semanas de gestação implementado na Flórida por Ron DeSantis, que compete com Trump pela nomeação republicana na corrida pela Presidência.
Segundo pesquisa recente da Gallup, cerca de 70% dos eleitores americanos apoiam o direito à interrupção da gravidez, e 60% avaliam que a revogação de Roe vs. Wade foi uma decisão ruim.
A revogação da antes longeva jurisprudência, ocorrida há dois anos, foi a última vitória do movimento contra o aborto. Hoje, 14 estados americanos proíbem o procedimento, segundo levantamento do Centro para Direitos Reprodutivos. Mas, em todos os sete estados em que o tema foi levado a plebiscito, posições a favor do direito da interrupção da gravidez venceram.
A capacidade de mobilização do apoio à causa é, inclusive, apontada como uma das razões para a vitória de democratas nas eleições de meio de mandato no final do ano passado. E é essa receita que Biden está tentando emplacar de novo neste ano.
Na segunda-feira (22), sua vice, Kamala Harris, fará um discurso em Wisconsin —um estado-pêndulo, em que os eleitores não têm predileção estabelecida por democratas ou republicanos e podem mudar de posição a cada pleito— para marcar o aniversário de 51 anos da sentença da Suprema Corte.
“A vice-presidente Harris vai continuar suas viagens oficiais pelo país para reunir milhares de pessoas para lutar pela liberdade de cada americana de tomar suas decisões sobre seus próprios corpos”, disse em nota a campanha democrata.
No dia seguinte, terça (23), Biden e sua mulher, Jill, se juntam a Kamala em um evento na Virgínia para “ressaltar o que está em jogo nessa eleição” —o que inclui, prossegue a nota, “a possibilidade real de uma proibição nacional do aborto pelos Republicanos Maga”, uma referência ao movimento de apoio a Trump, Make America Great Again. Anúncios de campanha e artigos de opinião em jornais locais por membros do partido também serão usados para espalhar a mensagem.
“Os juízes escolhidos a dedo por Donald Trump revogaram a Roe vs. Wade, e agora seus aliados Maga estão formulando um esquema para ajudá-lo a cumprir seus planos de ser um ditador no dia um ao empoderá-lo para impor uma proibição ao aborto em todo o país sem um único voto no Congresso”, afirmou o diretor de comunicações do Partido Democrata, Alex Floyd, deixando clara a estratégia de campanha do partido.
Após o anúncio feito nesta sexta por Tim Scott, pré-candidato republicano à Presidência e ferrenho opositor ao aborto, de que vai apoiar Trump, os democratas enviaram um email com o assunto é “Extremista Antiaborto Tim Scott É O Mais Recente Apoiador Maga de Donald Trump”.
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Não à toa, o nome do de Biden foi fortemente vaiado toda vez em que foi citado na marcha desta sexta.
Mas, ao contrário do rótulo que a campanha democrata busca colar no empresário, tampouco Trump foi celebrado como seu defensor –em contraste com a marcha de 2020, ano eleitoral em que o empresário foi o primeiro presidente no cargo a discursar no evento.
Passados dois anos, manifestantes ouvidos pela Folha afirmaram que votarão no republicano, mas por falta de opção.
“Infelizmente, Vivek Ramaswamy suspendeu sua campanha”, diz Maria Cortez, 22, que veio do Kansas para participar da marcha. “Há muitos sentimentos mistos em relação a Trump. Pessoalmente, acho que ele é ok, mas houve alguns artigos mostrando que ele não adotou uma posição completamente contrária ao aborto, o que é muito lamentável.”
“Não sei se ele é realmente a melhor escolha, mas parece que ele já está caminhando para a vitória”, completa ela.
“Não amo Trump pessoalmente, mas eu acho que ele provavelmente é o melhor para os bebês. E, agora, essa questão é tão importante que eu votaria nele”, diz Jill Yankie, 52, que viajou do Wisconsin para Washington junto com os dois filhos pequenos para participar da manifestação.
Já Leah Tilson, 22, diz não ter certeza de que votará em Trump, e que pretende ler mais sobre os candidatos antes de tomar uma decisão. Mas “definitivamente” não votará em ninguém que seja “contra a vida”, completa.
“Estou aqui hoje para defender a vida, defender o Evangelho e o que Deus diz sobre a vida. Ele está a favor da vida e Ele morreu na cruz por nós”, afirmou ela ao mesmo tempo em que distribuía cartazes contra o aborto.
O tom da jovem reflete bem o perfil religioso do público do evento, mas contrasta com a tentativa dos organizadores de recalibrar seu discurso, após as seguidas derrotas nos plebiscitos estaduais.
O tema deste ano foi “com cada mulher, com cada criança”, uma forma de responder às críticas de que os ativistas antiaborto se importam mais com a vida dos bebês quando eles ainda estão dentro da barriga de suas mães do que fora. Em seu discurso, Jeanne Mancini, presidente da marcha, enumerou iniciativas que, segundo ela, ajudam mulheres a lidar com uma gestação “inesperada” (a palavra “indesejada” não é usada).
O principal político no palco foi o presidente da Câmara, Mike Johnson, ativista antiaborto mesmo antes de entrar para a política. Em seu discurso, invocando argumentos religiosos, ele reforçou a necessidade de uma “mudança cultural” sobre o tema nos EUA.
Na véspera da marcha, deputados republicanos conseguiram aprovar dois itens da agenda contrária ao aborto. O primeiro é um projeto de lei exige que universitárias grávidas recebam informações sobre opções para manter a gestação, e o segundo impede que o Departamento de Saúde deixe de financiar centros antiaborto de cuidados para gestantes. Os dois textos seguem agora para o Senado.