A reeleição de Donald Trump em 5 de novembro ofuscou um pouco a grande festa de Luiz Inácio Lula da Silva. Lula sedia a cúpula dos líderes do G20 no Rio de Janeiro nos dias 18 e 19 de novembro. Chefes de estado de 19 das maiores economias do mundo, bem como das Uniões Europeia e Africana, se reúnem para discutir negócios.
Lula tem três objetivos principais para a cúpula: a criação de uma aliança global para reduzir a fome e a pobreza; um acordo para reformar instituições globais como o FMI e a ONU; e aumentos nos compromissos financeiros para combater as mudanças climáticas. Ele também quer angariar apoio para um imposto global sobre bilionários. O presidente em final de mandato dos Estados Unidos, Joe Biden, que participará da cúpula, pode apoiar algumas dessas ideias. Trump, a pessoa mais poderosa do mundo pelos próximos quatro anos, não apoiará.
O retorno de Trump ao cenário mundial pode atrapalhar as ambições multilaterais de Lula. Mas o brasileiro tem um prêmio de consolação: seu relacionamento com Xi Jinping. Após o presidente da China participar do G20 no Rio, ele viajará para Brasília para passar um tempo com o homólogo brasileiro. Para celebrar 50 anos desde que seus países estabeleceram laços diplomáticos, espera-se que assinem dezenas de acordos de comércio e cooperação, de carne bovina a satélites.
A relação sino-brasileira entrou em um “período de lua de mel” que se estende além do comércio, disse um ex-embaixador brasileiro em Pequim. Em 11 de novembro, Xi expressou seu desejo de que a amizade da China com o Brasil “flua incessantemente como o rio Yangtze e o rio Amazonas”. Nos últimos meses, “qualquer pessoa importante no Brasil esteve na China”, disse o embaixador.
Vários fatores têm aproximado Brasil e China. No caso do Brasil, são principalmente políticos. Pouco antes da eleição nos Estados Unidos, Lula apoiou Kamala Harris, rival de Trump. Enquanto isso, Trump é próximo de Jair Bolsonaro, o antecessor populista de extrema direita e inimigo de Lula. Elon Musk tornou-se o bilionário de confiança de Trump. O empreendedor de tecnologia teve uma disputa de meses com o tribunal superior do Brasil este ano, que culminou com sua plataforma de mídia social, X, sendo banida no país por mais de um mês.
Em 16 de novembro, a esposa de Lula, Rosângela da Silva, disse “fuck you, Elon Musk” em um evento público. Musk respondeu no X: “Eles perderão a próxima eleição”. Tudo isso significa que Lula não espera uma recepção calorosa em Washington após a posse de Trump em janeiro.
Os problemas da China com os Estados Unidos são muito mais profundos. Trump sugeriu que vai impor uma tarifa de 60% sobre todos os bens importados da China assim que assumir o cargo. E assim, a China está ansiosa para fazer tudo o que puder para expandir os mercados para seus produtos além dos Estados Unidos. O Brasil, a nona maior economia do mundo, é uma parte importante desse quebra-cabeça. O Brasil também compartilha da visão multipolar do mundo da China e está ansioso para depender menos do dólar para transações internacionais.
Mas talvez o componente mais importante da amizade sino-brasileira seja que a China quer comprar o que o Brasil está vendendo. A China consumiu grandes quantidades de petróleo, minério de ferro e soja brasileiros durante os anos 2000, a medida que a classe média chinesa crescia rapidamente. Superou os Estados Unidos como o maior parceiro comercial do Brasil em 2009, durante o segundo mandato de Lula.
O comércio continua a se expandir apesar do crescimento chinês estar desacelerando. As exportações brasileiras para a China estão em níveis recordes. O Brasil é um dos poucos países que ostenta um superávit comercial com a China; no ano passado, exportou US$ 51 bilhões a mais para o gigante asiático do que importou dele.
E esse superávit ainda pode crescer. Durante o último mandato de Trump, entre 2016 e 2020, as exportações brasileiras para a China quase dobraram, a medida que a China comprou soja, milho e frango do Brasil em vez dos Estados Unidos. A TS Lombard, uma firma de investimentos em Londres, estima que um aumento de 10% na demanda chinesa por produtos brasileiros poderia impulsionar o crescimento do PIB de uma projeção de 2% em 2025 para 2,6%.
Mas é o investimento chinês em tecnologia, indústria e energia verde que mais anima Lula. Os Estados Unidos continuam sendo de longe a maior fonte de investimento estrangeiro no Brasil. O investimento chinês na região caiu nos últimos anos. Mas as características desse investimento ainda agradam a Lula. No ano passado, 72% foi para projetos de energia limpa. As exportações de veículos elétricos, painéis solares e baterias da China para a América Latina aumentaram de US$ 3,2 bilhões em 2019 para US$ 9 bilhões em 2023. O Brasil absorveu 63% do total em valor.
“Cinco anos atrás, a China estava investindo em ativos fixos caros, como infraestrutura elétrica, petróleo e gás”, diz Hsia Hua Sheng, professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo que também trabalha para o Banco da China. “Hoje, investe em manufatura, renováveis, serviços e logística.” Ele afirma que esses são investimentos de “maior qualidade” porque frequentemente envolvem parcerias com empresas locais, criação de empregos e transferência de tecnologia. BYD e Great Wall Motors, dois rivais chineses da Tesla, estão abrindo fábricas de veículos elétricos no Brasil no próximo ano. A fábrica da BYD será erguida em uma antiga fábrica da Ford, e será a maior fábrica da empresa fora da Ásia.
Uma fábrica chinesa de alta tecnologia construída no local de um campeão industrial americano em declínio já é difícil de engolir para as autoridades americanas. Mas nenhum assunto deve causar tanto alvoroço na Casa Branca de Trump quanto um acordo sobre satélites. Em outubro, o ministro das Comunicações do Brasil, Juscelino Filho, visitou a China aparentemente para conquistar fabricantes chineses de satélites que competem com a Starlink de Musk.
O ministro visitou a sede da SpaceSail, uma empresa de Xangai, e da Galaxy Space, em Pequim. A visita seguiu-se a uma disputa sobre liberdade de expressão e desinformação entre Musk e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Em agosto, Moraes congelou as contas bancárias do Starlink no Brasil para forçar Musk a derrubar contas de mídia social no X, a plataforma que ele possui. O Starlink controla quase metade do mercado de serviços de internet via satélite no Brasil.
Segundo a Bloomberg, o governo de Lula ofereceu à SpaceSail o uso de uma base militar no nordeste do Brasil, de onde pode lançar seus satélites. Embora tenha apenas 36 satélites em órbita hoje, a empresa planeja ter 600 até o final de 2025 —cerca de um décimo do número que o Starlink tem em órbita.
Além disso, Lula e Xi poderiam aprofundar a cooperação financeira entre seus países. Em março do ano passado, eles assinaram um acordo para liquidar todo o comércio nas moedas de seus países em vez de em dólares. Em outubro do mesmo ano, realizaram a primeira transação em yuans e reais. A escala dessas transações é atualmente insignificante, mas elas carregam peso simbólico e podem provocar a ira de Trump. Ele alertou que imporia tarifas de 100% sobre bens importados de países que tentassem “abandonar o dólar”.
Tais ações radicais de Trump provavelmente teriam consequências não intencionais. “O relacionamento entre empresários brasileiros e chineses está muito mais consolidado hoje em comparação com cinco ou dez anos atrás”, diz Hsia. Isso se deve em parte à guerra comercial que Trump travou em seu primeiro mandato. Em seu segundo governo, ele pode acabar tornando os empresários chineses e brasileiros mais próximos do que nunca.