Costuma-se dizer que com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades.
Não é o caso na política no México. Lá, a coligação do partido governista, Morena, conseguiu a maioria absoluta nas eleições em junho. Mas ela pouco tem se preocupado com as consequências, e nesta semana, deixou o país à beira de uma crise institucional.
Tudo começou com uma série de mudanças no funcionamento do Judiciário mexicano, implementadas após a aprovação de um conjunto de leis nos últimos dias de Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, na Presidência, em setembro.
A principal mudança foi determinar que todos os juízes no México fossem eleitos, em vez de nomeados. Na terça-feira (5), o Supremo Tribunal do país rejeitou por uma margem estreita uma proposta para anular algumas partes das novas leis que teria permitido que juízes fossem eleitos para tribunais federais superiores, mas não para as cortes locais inferiores.
Se o tribunal tivesse decidido de forma diferente, isso provavelmente teria levado a um confronto aberto com Claudia Sheinbaum, presidente do México desde outubro, e o partido Morena. Os figurões dessa denominação declararam que ignorariam a decisão se ela fosse contra eles.
Isso representaria o risco de desacato ao tribunal e de um impasse crescente entre o Executivo e o Judiciário. A própria Sheinbaum disse que tinha “um plano” para lidar com o tribunal. “O Supremo Tribunal não pode estar acima da voz do povo”, disse ela, acusando a corte de abuso de poder.
No passado, a última instância judicial do México tendia a não contestar ou interferir nas decisões do governo sobre alterações na Constituição, limitando-se a avaliar a legalidade dos procedimentos usados para implementá-las.
Não foi este o caso agora, e o tribunal se pronunciou acerca do potencial danoso das mudanças judiciais para a democracia no México. Analistas, organizações de direitos humanos, empresas e diplomatas estrangeiros alertaram que a eleição de juízes politizaria os tribunais e desgastaria a independência e a imparcialidade do sistema judicial.
O Morena usou métodos controversos para tentar impedir que o tribunal considerasse o caso. No fim de outubro, o Congresso aprovou uma lei que proibia a revisão judicial de alterações na Constituição. Tentou redigi-la de modo que ela pudesse ser aplicada retroativamente e, assim, impedisse a corte de intervir nas reformas judiciais.
A má-fé do partido no poder também tem sido demonstrada de outras formas. O partido disse que permitiria que os juízes que renunciassem antes das eleições judiciais mantivessem as suas pensões. Mas depois de 8 dos 11 juízes do Supremo Tribunal anunciarem a sua demissão, o partido atacou-os por viverem às custas do Estado –mesmo que pelo menos um dos membros do círculo de Sheinbaum seja um antigo juiz superior que goza de uma pensão gigantesca.
A decisão do Supremo desta semana é uma vitória para o Morena. O primeiro lote de eleições judiciais pode acontecer já em junho de 2025. As renúncias na corte sugerem que tudo irá acontecer como temido: os três juízes do Supremo Tribunal que irão concorrer às eleições foram nomeados pelo Morena e estão confiantes de que serão eleitos novamente para os seus cargos. Cerca de metade de todos os juízes e magistrados afirmaram que não se candidatarão às eleições.
“Mesmo que um Supremo Tribunal eleito seja leal a eles [o governo], eles ainda queriam controlá-lo”, diz o pesquisador Javier Aparicio, do Centro de Investigação e Docência Econômica (Cide), uma universidade na Cidade do México.
No início deste mês, o Morena disse que estava se preparando para debater sua próxima mudança constitucional, que eliminaria os pesos e contrapesos de uma maneira diferente. A proposta era excluir agências autônomas do país, incluindo o órgão de liberdade de informação.
Uma crise constitucional foi evitada, mas o Morena reforçou o seu controle. E o México parece cada vez mais um Estado de partido único.