Independentemente de quem vença a eleição presidencial dos Estados Unidos, é nítido que a campanha dos democratas não saiu tão bem como eles esperavam.
Após as eleições de meio de mandato, em 2022, Donald Trump parecia estar acabado. Ele ainda pode perder, é claro, mas claramente não foi desqualificado, como muitos esperavam, em 6 de janeiro de 2021; por várias acusações criminais; ou pela revogação de Roe vs. Wade por juízes conservadores indicados pelo republicano à Suprema Corte.
Se os eleitores desqualificaram algum candidato em 2024, foi o presidente em exercício, não o criminoso que tentou reverter a última eleição.
Como Trump ainda está tão competitivo? A resposta mais simples é que o ambiente político nacional simplesmente não é tão propício para uma vitória democrata como muitos podem imaginar.
Os democratas enfrentam ventos contrários nesta eleição. Na última pesquisa do New York Times/Siena College, apenas 40% dos eleitores aprovaram o desempenho do presidente Joe Biden, e só 28% disseram que o país estava indo na direção certa. Nenhum partido manteve o controle da Casa Branca quando tantos americanos estavam insatisfeitos com o país ou o presidente.
As pesquisas sugerem que o desafio para os democratas é ainda mais profundo. Pela primeira vez em décadas, os republicanos se igualaram ou ficaram à frente na identificação partidária em todo o país. As pesquisas também mostram que os republicanos têm vantagem na maioria das questões-chave —com a democracia e o aborto sendo exceções significativas.
O desafio dos democratas parece fazer parte de uma tendência mais ampla de lutas políticas para os partidos no poder em países desenvolvidos. Os eleitores parecem ansiosos por mudanças quando têm a chance.
A pandemia e suas consequências geraram descontentamento global, com preços altos afetando eleitores, especialmente jovens e de baixa renda, minando a confiança em governos, elites liberais e mídia, prejudicando o partido no poder.
Nos EUA, o desencanto pós-pandemia afetou os democratas, que defenderam medidas rigorosas contra o vírus, como máscara, vacina, lockdowns e fechamento de escolas. Apoiaram o movimento Black Lives Matter, políticas de fronteira liberais, redução de emissões de gases e gastaram trilhões em estímulos. Com o fim do isolamento social, essas ações se tornaram um fardo.
Mas mesmo que Kamala Harris saia vitoriosa, não necessariamente será uma vitória para os progressistas. Mais do que em qualquer momento nos últimos 16 anos, os democratas estão jogando na defensiva. Eles se moveram para a direita em imigração, energia e crime. Diminuíram a ênfase na tradicional pressão liberal para expandir a rede de segurança social da sociedade, que foi eclipsada pela urgência de reduzir os preços.
Seja qual for o resultado, um longo período de ascensão liberal na política americana pode estar diminuindo.
O fim de uma era?
Desde 2008, os democratas e o liberalismo têm sido dominantes na política americana. Os democratas venceram o voto popular em quatro eleições presidenciais consecutivas e, com controle total do governo, aprovaram leis de assistência acessível, além de salvar a indústria automobilística e investir em energia renovável e infraestrutura.
O liberalismo dominou a cultura com movimentos como Black Lives Matter, #MeToo, a campanha de Bernie Sanders e demandas por um Green New Deal (novo acordo verde) e “Medicare for All’ (saúde acessível a todos).
A eleição de Trump intensificou a energia liberal, alarmando milhões que o consideravam racista e uma ameaça à democracia. O assassinato de George Floyd e a pandemia aumentaram a indignação, resultando em uma nova esquerda focada no antirracismo e restrições de coronavírus, culminando em protestos e ativismo progressista sobre raça e gênero.
Nos últimos anos, a reação contra restrições na pandemia se tornou comum, dividindo instituições liberais. A confiança na mídia, especialistas e cientistas caiu. Jovens americanos usaram redes sociais para expressar frustrações com um presidente idoso, preços altos e um sistema ineficaz.
A pandemia impactou o liberalismo, com inflação e altas taxas de juros atribuídas ao gasto governamental excessivo. Altos preços do gás foram ligados à suspensão de licenças de perfuração e ao fim do oleoduto Keystone. O aumento de migrantes foi associado à política de fronteira flexível, considerada insustentável. A falta de moradia, criminalidade e desordem fortaleceram o argumento por “lei e ordem”.
Em questão após questão, os democratas responderam movendo-se para a direita. Kamala recuou de posições progressistas adotadas em 2019. Os democratas, em geral, têm desvalorizado políticas que antes defendiam com confiança para um eleitorado mais amplo.
Pesquisas indicam que republicanos têm vantagem em questões importantes para o voto, refletindo uma mudança para um ambiente mais conservador. Mostras de 2023 indicam que a vantagem democrata em identificação partidária nos EUA desapareceu, com republicanos superando os adversários pela primeira vez desde 2004, segundo Pew Research, Gallup, NBC/WSJ e Times/Siena.
A tendência no registro partidário é semelhante, com os republicanos ganhando terreno rapidamente em todo o país. Todos os estados-pêndulo com registro partidário —Arizona, Pensilvânia, Nevada e Carolina do Norte— provavelmente terão mais republicanos registrados do que democratas na próxima terça, mesmo que Kamala vença com o apoio das crescentes fileiras dos não filiados.
No contexto dos últimos 16 anos, essa é uma grande mudança. Os democratas chegaram à Casa Branca em 2008 com uma agenda ampla em áreas como saúde, clima, imigração e sindicatos. Embora tenham implementado grande parte dessas políticas, muitos eleitores ainda estão insatisfeitos com a situação do país.
Não fosse pelas desvantagens de Trump, os republicanos poderiam ter vencido de forma decisiva, como nas eleições de mudança de 1980 ou 2008, que mudaram o rumo da política americana. Trump ainda pode alcançar isso, mas seus desafios claramente tornam essa tarefa bem mais difícil.
Se Trump vencer, esta será a explicação mais provável, em vez de sua própria popularidade. Após um período de predominância democrata, a agitação durante e após a pandemia deixou muitos eleitores desiludidos com os democratas e relutantes em dar ao partido outra chance —apesar das sérias reservas sobre Trump.
Se ele perder, a razão será clara: sua conduta no 6 de Janeiro e a revogação de Roe pela Suprema Corte custaram-lhe uma eleição que poderia ter vencido. Nesse cenário, uma vitória de Kamala pode não significar um impulso para os progressistas. Curiosamente, é mais fácil imaginar um liberalismo fortalecido se Trump vencer e reacender o fervor anti-Trump mais uma vez.
Os democratas podem manter sua série de vitórias na terça-feira, mas quando os historiadores olharem para trás, podem concluir que a ascensão liberal já havia chegado ao fim.