A maioria dos americanos votou ou votará até terça-feira (5) com uma mão na consciência e a outra no bolso. Embora a economia costume estar entre os temas centrais em todas as eleições dos Estados Unidos, desta vez a preocupação deverá ter seu maior peso nas urnas desde 2008.
Nove em cada dez eleitores dizem que a posição dos candidatos Donald Trump ou Kamala Harris nessa área é “extremamente importante” ou “muito importante” na hora de escolher seu candidato, maiores níveis desde a Grande Recessão de 16 anos atrás, indica pesquisa da consultora Gallup feita em setembro.
Isso acontece num período em que o país cresce de forma consistente, de forma geral, considerando o PIB (Produto Interno Bruto). Apesar do colapso dramático durante a pandemia de Covid-19, o indicador se recuperou ainda no governo Trump e seguiu sólido na gestão de Joe Biden.
Por que, então, o eleitor está tão preocupado? A explicação está, em boa parte, na inflação, índice econômico mais visível no dia a dia. Os preços dispararam nos dois primeiros anos sob Biden e alcançaram os maiores níveis em 41 anos em 2022, tendo contribuído para isso três principais fatores.
Por um lado, a Covid-19 e a Guerra da Ucrânia geraram um aumento geral da inflação em todo o mundo. Por outro, o Plano Americano de Resgate, pacote de estímulos e auxílio emergencial proposto pelo governo Biden e aprovado pelo Congresso em março de 2021, injetou US$ 1,9 trilhão na economia, gerando efeito inflacionário.
“Trump pegou o governo num momento ainda de incerteza e conseguiu retomar o fôlego. Dificilmente teria perdido a eleição em 2020 se não houvesse a pandemia. Biden, por outro lado, em quatro anos tornou economia bastante robusta. Mas o eleitor não pensa na macroeconomia, pensa no bolso”, avalia Paulo Velasco, professor de política internacional da Uerj (Universidade do Estado do RJ).
O alto custo de vida é o ponto mais delicado para a candidatura de Kamala, que tenta se distanciar do governo do qual faz parte, fala em “impedir a especulação dos preços” e promete programas para ajudar a adquirir a casa própria —sonho que se tornou cada vez mais distante para o americano nesse ciclo.
Trump, por outro lado, explora extensivamente o assunto na campanha, beneficiando-se de um período em seu governo em que a vida estava mais barata, ainda que a inflação tenha desacelerado no último ano. Ele promete, no entanto, aumentar tarifas sobre importações e cortar impostos, medidas vistas como inflacionárias.
Constantemente cobrado pelos preços, a contranarrativa de Biden foi a geração de empregos, impulsionada pelo fim da Covid e pelo Plano de Resgate. Os postos de trabalho de fato aumentaram mais em seu governo, mas a taxa de desemprego (hoje em 4,1%) também não foi um dado ruim para Trump no pré-pandemia.
Os números mais fracos nos últimos meses, com a criação de vagas abaixo do esperado —somada a atrasos nos pagamentos de cartão de crédito, por exemplo—, chegaram a gerar um temor de uma recessão no país a semanas da eleição, mas a possibilidade nesse momento é tratada como distante.
Em três dos sete estados-pêndulo que podem definir estas eleições, o tema do emprego é especialmente caro aos eleitores. Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, no chamado Cinturão da Ferrugem, no norte do país, sofreram nas últimas décadas com demissões em massa de grandes indústrias.
Enquanto Trump tenta convencer essas áreas de que uma vitória de Kamala significaria um colapso econômico, focando os agricultores, a democrata promete uma economia mais robusta e prioridade nos investimentos para reequipar as fábricas, contra-atacando o rival em temas como aborto e democracia.
O mercado de trabalho sólido não impediu, porém, que os preços martelassem os consumidores. Passados os efeitos do Plano de Resgate, a renda média dos americanos caiu —há um pico nesse indicador em 2020 porque durante a pandemia os que ganhavam menos sofreram mais demissões, aumentando a média salarial.
Em meio à alta inflação e à queda da renda, o consumo em lojas, restaurantes e serviços, logicamente, também desacelerou. Depois, no entanto, o alívio nos preços e aumento dos salários médios incentivou uma recuperação. Ainda assim, “o cidadão americano médio está insatisfeito”, lembra Velasco, da Uerj.
Não importa o quanto esses números tenham variado, a confiança dos americanos na economia, que já havia levado um tombo na pandemia, caiu a níveis ainda mais baixos em 2022. Essa confiança segue persistentemente baixa desde então, mesmo que indique tendência de alta.
A ênfase que Trump e Kamala têm dado a cada um desses índices durante a campanha se reflete nos seus eleitorados, que veem a situação do país de formas distintas. A porcentagem dos que acham a economia “extremamente importante” na decisão do voto é maior entre republicanos (66%) do que entre democratas (36%), indica a pesquisa Gallup.
No cenário geral, porém, o ex-presidente ainda parece sair por cima em relação ao tema. Independentemente de seu candidato preferido, 54% dos eleitores dizem que ele lidaria melhor com a questão se eleito, contra 45% da atual vice-presidente. Kamala tem o resultado inverso, por exemplo, na saúde.
Nenhum dos dois, porém, costuma dar ênfase a um último indicador que é considerado o elefante na sala a ambos os lados: o déficit público. Tentando aliviar o fardo financeiro dos eleitores, eles prometem, em diferentes medidas, isenções de impostos (menos receitas) e novos benefícios (mais despesas), esquecendo-se da dívida americana crescente.