Sim, foi um circo de horrores o comício de Donald Trump e dos seus aliados no Madison Square Garden, em Nova York. Sim, o racismo, a misoginia e até o fascismo descarado dos discursos é demasiado escandaloso para não merecer resposta. E sim, é possível que alguns dos comentários que ali foram feitos prejudiquem a campanha do republicano a poucos dias das eleições. É compreensível que os democratas cedam à tentação de fazer disso o assunto da campanha na reta final.
Pergunto-me, porém, se foi devidamente levado em conta que concentrar a campanha na verdade indesmentível de que Trump é horrível não deixa de ser, apesar de tudo, fazer de Trump o centro da conversa.
E se há razão para essa eleição estar muito mais difícil para Kamala Harris do que precisaria é que a sua campanha não conseguiu segurar e prolongar o tema da alegria e da novidade que fugazmente foi o seu após a convenção do Partido Democrata em agosto.
Durante algum tempo, a história desta eleição foi como Kamala, substituindo Joe Biden numa reviravolta inesperada, seria ao mesmo tempo uma novidade e um fator de segurança. Mas demorou pouco tempo até a política americana voltar aonde tem estado desde 2016: a discutir como Trump é péssimo e, por consequência, a discutir Trump.
Bastou Trump ir fazendo o que faz melhor —ser escandaloso, ofensivo, mentiroso e boçal— para monopolizar as atenções. E isso faz com que a política se resuma a uma dialética recessiva entre aqueles que querem parar Trump e os que antecipam o prazer de eleger Trump e deixar os primeiros furiosos.
Qual é a alternativa? Bem, mudar de assunto também vale. Eu bem sei que esta não é uma tese com muitos pergaminhos. Na sua maioria, os progressistas resistem a aceitá-la porque lhes parece que deveria ser possível ganhar todos os temas e todos os argumentos avançados pela direita.
Mas, se me permitem lembrá-los, o tempo é escasso. E enquanto os progressistas tentam galhardamente rebater os temas e argumentos introduzidos pela extrema direita, no momento e do jeito que a extrema direita decidiu introduzi-lo, esse é um tempo desperdiçado em que a esquerda não faz avançar os seus próprios temas e argumentos.
Não só o tempo é escasso, como a atenção é ainda mais escassa. As transformações estruturais da esfera pública dos últimos anos, com as redes sociais e os ciclos noticiosos curtos, fazem com que o terreno de jogo esteja inclinado a desfavor de quem queira responder a pânicos morais com dados, racionalidade e nuance.
O mundo não é uma banca de doutorado, e eu ainda não perdi a esperança de que os progressistas um dia entendam: cada minuto a mais passado a discutir como o outro lado é horrível é um minuto a menos passado a explicar como vamos subir salários, construir casas e educar jovens.
Reagir perante os dislates do outro lado é tentador e por vezes até permite ganhar batalhas. Mas em geral tem servido apenas para perder a guerra contra o populismo nacionalista.
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