O aposentado que ensina as refugiadas afegãs a dirigir nos Estados Unidos – Notícias – EERBONUS
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O aposentado que ensina as refugiadas afegãs a dirigir nos Estados Unidos – Notícias


Bibifatima Akhundzada entrou com o Chevrolet Spark branco no meio do trânsito do centro de Modesto, na Califórnia, para praticar curvas, frenagem e as regras de comportamento nos cruzamentos. “Vai, vai, vai. Não para, não”, disse o instrutor quando ela diminuiu a velocidade em um entroncamento.







Ele é Gil Howard, professor aposentado de 82 anos, que engatou uma segunda carreira meio que por acaso. Seus métodos não são nada comuns, e justamente por isso é procurado pelas recém-chegadas do Afeganistão, onde a atividade é proibida para praticamente todas as mulheres.







Nos últimos anos, já ensinou cerca de 400 na comunidade de mais de cinco mil afegãos instalados nesta parte do Vale Central. Diz a lenda local que graças ao “sr. Gil”, como é conhecido na cidade, há mais afegãs enfrentando o trânsito dessa cidade de 220 mil habitantes do que em todo o seu país de origem.


Para muitos norte-americanos, aprender a dirigir é um rito de passagem, uma habilidade associada à liberdade; já para as estrangeiras representa uma tábua de salvação, principalmente em cidades onde as distâncias são enormes e o transporte público, limitado. Com isso, quando Howard percebeu a diferença que a habilitação fazia para essas mulheres, a intenção de ensiná-las veio naturalmente, tanto que nem cobra pelo serviço. O resultado? Uma fila de espera com 50 nomes e uma avalanche de mensagens no celular de gente à procura de vagas. Por meio do boca a boca, não faz muito tempo recebeu uma ligação do Missouri.


Depois que o Talibã retomou o poder no Afeganistão, em 2021, instituiu um regime islâmico rígido, proibindo as meninas e mulheres de frequentar escolas e universidades e de dirigir, mas a verdade é que, mesmo antes da queda de Cabul, raramente se via uma motorista. Na sociedade conservadora daquela nação, as mulheres são mantidas em casa, e só saem na companhia de familiares homens.


Nos EUA, as imigrantes tendem a preservar os hábitos religiosos e culturais, mantendo o uso do véu de cabeça, ou hijab, e muitas optam pelas classes exclusivamente femininas no aprendizado do inglês. As casadas que foram entrevistadas para este artigo concordaram em ser fotografadas só se o marido concordasse, e várias deixaram que os homens falassem por si.







Entretanto, quando se trata de dirigir, muitas se dispõem a assimilar o hábito, embora não falem sobre igualdade de gêneros ou empoderamento. Sua principal motivação? Locomoção. “Quis aprender para ajudar minha família”, explicou Latifa Rahmatzada, de 36 anos, que tirou a carteira de habilitação em setembro passado.


Em Cabul, ela, que tem três filhos pequenos, ficava basicamente confinada ao complexo onde a família morava. Fazer compras era coisa de homem; nas raras saídas, estava sempre acompanhada do marido ou de outro parente. Em Modesto, a mais de 12 mil quilômetros, não teve dificuldade nenhuma para convencer o marido, Hassibullah, a deixá-la dirigir. “Concordei de cara. Era muito estressante para mim ter de fazer tudo sozinho”, ele admitiu. E entrou em contato com Howard.


Hoje em dia, enquanto o marido trabalha em esquema de plantões de nove horas como estocador do Walmart, Rahmatzada está ao volante de um Honda Accord 1992 – que já tinha rodado mais de 300 mil quilômetros antes de lhe ser doado – rumo ao colégio onde os filhos estudam, ao supermercado ou a outros lugares da cidade.







Howard, que mora sozinho e tem filhos adultos, se mudou para Modesto em 2012, depois de décadas no ensino de pesquisa de operações e matemática na Naval Postgraduate School de Monterey, na Califórnia. “Minha intenção era só mexer no jardim e viajar de vez em quando”, confessou.


Comovido com as imagens de imigrantes que se afogaram nas tentativas de travessia do Mediterrâneo para chegar ao Ocidente, ele decidiu se oferecer como voluntário da World Relief, ONG que ajuda os refugiados a se estabelecer nos EUA – e não demorou a começar a mobiliar apartamentos para eles, levá-los a diferentes compromissos e distribuir bicicletas de segunda mão.


Assim, descobriu que muitos tinham saído corridos do Afeganistão depois de terem sido ameaçados de morte por trabalhar em parceria com as tropas norte-americanas, e acabou desenvolvendo um interesse profundo em relação a algumas famílias. De repente, seus 65 anos de experiência ao volante passaram a ser muito úteis.







Em 2017, duas afegãs que tinham acabado de se mudar para a região com a mãe e o irmão caçula lhe perguntaram se poderia ensiná-las a dirigir; Howard começou as aulas em um estacionamento vazio. “Nunca vi uma mulher guiando no Afeganistão, mas aqui é supercomplicado para quem não sabe”, comentou Morsal Amini, a irmã de 24 anos. “D é para ‘dirigir’, R é para ‘ré’ e M, para manobrar”, ela lembrou a explicação que recebeu.


Depois de assimilar o básico, as duas começaram a se arriscar nas estradas vicinais, e só então se aventuraram nas ruas da cidade com o instrutor, que segundo elas é “um anjo de tão calmo e paciente”.







A procura por seus serviços disparou depois que o Talibã reassumiu o controle do Afeganistão, em 2021, levando uma nova onda de refugiados para os EUA, inclusive para Modesto – tanto que, para manter o controle do número cada vez maior de alunas, criou uma planilha no celular e dá prioridade àquelas cuja habilitação está próxima de vencer. Dependendo do dia, chega a fazer cinco sessões, cada uma variando entre hora e meia e duas horas. “O único problema é que minha pressão aumentou com todo o sal e a gordura dos pratos típicos afegãos que ganho das alunas como forma de agradecimento. A comida deles é muito forte!”, revelou.


Em uma quarta-feira recente, a segunda aula de Howard foi com Zahra Ghausi, de 18 anos, que faria a prova prática na semana seguinte. A universitária seguia por uma rua residencial quando se aproximou de uma escola. “Atenção à velocidade”, disse Howard, segurando o freio de mão, só por precaução.







Ele a instruiu a pegar a Via Expressa 99; a 100 km/h, Ghausi passou ligeira pelas amendoeiras que margeiam a estrada e mudou de faixa para ultrapassar um caminhão que levava placas de metal. O velocímetro ultrapassou os 110 km/hora. “Não preciso pedir que acelere; ela vai que vai.”


Ghausi pegou a saída da Taylor Road e seguiu rumo à Universidade Estadual da Califórnia, na cidadezinha vizinha de Turlock. “Amo dirigir. E adoro carro esportivo. Um dia, vou ter um só para mim”, afirmou ela depois de estacionar no campus.


A seguir, Howard voltou para Modesto, onde havia outra aluna à sua espera.


c. 2024 The New York Times Company


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