Sem um acordo com o Congresso para aprovar um pacote bilionário de ajuda militar para a Ucrânia, os Estados Unidos ficarão sem recursos para enviar a Kiev dinheiro e armamentos já no fim deste mês. Washington é o principal aliado dos ucranianos contra a invasão russa iniciada em fevereiro de 2022.
“Eu quero ser clara: sem ação congressual, nós vamos ficar sem recursos para encomendar mais armas e equipamento para a Ucrânia e para fornecer material dos estoques militares americanos no fim do ano”, escreveu a diretora de orçamento da Casa Branca, Shalanda Young.
Ela enviou uma carta nesta segunda (4) ao presidente da Câmara dos Representantes, o republicano Mike Johnson, e outros líderes congressuais. “Não há um pote mágico de fundos disponível. Estamos sem dinheiro e praticamente sem tempo”, afirmou.
A situação do governo de Volodimir Zelenski é difícil. A chegada da campanha eleitoral pela Casa Branca, que seria definida hoje pelo presidente Joe Biden e seu antecessor, Donald Trump, opôs a situação democrata e a oposição republicana no Congresso acerca da ajuda à Ucrânia.
Biden tenta, desde outubro, aprovar um megapacote de ajuda para a Ucrânia, para Israel e sua guerra contra o Hamas e para segurança de fronteiras americanas de cerca de R$ 500 bilhões —60% dos quais iriam para os ucranianos.
Este é o valor de tudo o que, segundo o Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), foi enviado de ajuda para Kiev durante a guerra até 31 de julho. Os EUA são os maiores contribuintes, com R$ 370 bilhões, R$ 225 bilhões dos quais só em armas e logística militar.
Os republicanos barraram a iniciativa até aqui, aumentando a pressão que já era multifacetada em campo na Europa. O principal problema é de natureza militar: a contraofensiva ucraniana deste ano fracassou em seu objetivo de cortar a ligação entre a Rússia e a Crimeia, anexada em 2014, pelas áreas ocupadas em seu sul.
A ação foi vendida com grande estardalhaço, com o fornecimento de tanques, outras armas e treinamento ocidental. Houve sucessos pontuais, como as dificuldades navais da Rússia no mar Negro, devido a ataques com mísseis de cruzeiro e drones aquáticos à sua base no local, mas não muito mais que isso.
A dificuldade foi explicitada pelo chefe das Forças Armadas ucranianas, general Valeri Zalujni, em entrevista no mês passado à revista britânica The Economist: houve soberba na preparação, os russos foram subestimados e não há armas ocidentais em quantidade suficiente para fazer a diferença.
Com efeito, apesar da fanfarra em torno do fornecimento de tanques alemães Leopard-2 a Kiev, o que mais se vê em vídeos e relatos do campo de batalha é a presença da geração anterior do modelo, o Leopard-1. Os mais poderosos M1A1 Abrams americanos e Challenger-2 britânicos são usados com parcimônia, dada a escassez de números —31 prometidos do primeiro, 14 enviados do segundo, ao menos 1 dos quais foi destruído.
Zelenski reagiu publicamente ao general, explicitando as divisões internas em Kiev. Mesmo na Otan há a admissão de que falta munição para dar aos ucranianos.
Com a chegada antecipada do mau tempo do inverno, as operações tendem a ficar mais difíceis. E os russos estão na ofensiva no leste do país, em torno da cidade de Avdiivka, que parece ter se tornado a nova Stalingrado do conflito, após Mariupol e Bakhmut: isto é, palco de uma batalha encarniçada levada como existencial dos dois lados.
Nos outros dois casos, a duras penas, os russos venceram. O Ministério da Defesa do Reino Unido tem estimado em quase mil as baixas de Moscou todos os dias na tentativa de tomar o bastião no leste do país.
Além disso, há a resiliência militar e econômica do governo de Vladimir Putin, pressionado por diversos lados e também seu um avanço significativo no ano. O inverno prenuncia uma nova campanha com mísseis e drones contra alvos da rede energética da Ucrânia, ameaçando tornar a vida dos moradores um inferno gelado e escuro.
A tudo isso soma-se o fastio europeu com a guerra, que só se faz evidente cada vez que a Otan, aliança militar liderada pelos EUA, se reúne. No encontro de chanceleres da quinta passada (30), os votos de compromisso com a Ucrânia foram renovados, mas poucos tinham o que ofertar além de uma ajuda pontual aqui, outra ali.
Como disse a premiê italiana, Giorgia Meloni, num trote telefônico em que caiu recentemente e foi divulgado por comediantes simpáticos a Moscou, a Europa “está cansada” da guerra. O resultado das eleições na Eslováquia e na Holanda, além da posição refratária a Kiev na Polônia e na Hungria, demonstram isso.
Por outro lado, a carta da ameaça à segurança europeia representada por uma vitória de Putin segue sendo central. A mesma The Economist, que há anos fustiga o presidente russo como perigoso pária, admitiu em sua edição da semana passada que ele está por ora vencendo a guerra, mas que uma reação é vital para o Ocidente.
Piora o cenário a guerra na Oriente Médio, que, como Zelenski já admitiu, desviou a atenção do mundo. Em Kiev, os políticos apelam ao que podem. “Temos de seguir unidos, aprender com nossos sucessos e erros, seguir fortes e ter fé”, escreveu no X o assessor presidencial Anton Geraschenko. Resta agora combinar com a ala trumpista do Congresso americano, que controla a Câmara.