Atualmente, quando você precisa se deslocar e não tem um veículo próprio, uma das opções mais cômodas e rápidas disponíveis é pegar o celular e solicitar um carro no aplicativo de transporte. E quem iniciou esse mercado no Brasil foi a Uber, que praticamente virou um sinônimo desse tipo de serviço.
Cercada de temas como tarifas e vínculo empregatício em debate, em pouco tempo a empresa mudou a dinâmica da mobilidade nos grandes centros urbanos, virou opção de trabalho e ampliou a oferta de transporte em uma cidade.
Prestes a completar dez anos de atividade no Brasil, a Uber tem uma trajetória em território nacional marcada por um começo turbulento, a expansão acelerada com números impressionantes e uma série de debates trabalhistas.
As primeiras corridas
A Uber nasceu oficialmente em 2009 nos Estados Unidos, quando Travis Kalanick e Garrett Camp abriram a startup e criaram um aplicativo para celular.
No ano seguinte começam os testes, já no esquema conhecido: o motorista recebe a demanda e aceita a corrida pelo celular, com o passageiro embarcando e desembarcando em pontos pré-definidos.
Mas a plataforma só chega mesmo no Brasil em 15 de maio de 2014, de forma limitada no Rio de Janeiro e para atuar principalmente durante a Copa do Mundo. O radialista e empresário Pedro Salomão foi o primeiro passageiro em território nacional.
No mês seguinte, o serviço expandiu para cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. A capital paulista teve um lançamento badalado, com a modelo Alessandra Ambrósio sendo a primeira passageira.
A modelo Alessandra Ambrosio no lançamento da Uber em São Paulo.Fonte: Uber/Reprodução
Naquele período, o aplicativo podia ser baixado para Android, iOS e o saudoso Windows Phone. Ele tinha apenas uma opção de produto, o Uber Black — notabilizado por carros mais elegantes e o esquema de oferecer “água e balinha” nas corridas. Mais acessível, o UberX chega só em junho do ano seguinte.
A tarifa também era calculada de um modo diferente do atual. Havia uma taxa básica inicial fixa, com o valor aumentando por minuto de corrida e quilômetro rodado.
Começo turbulento e disputa por espaço
Os primeiros anos de operação, porém, não foram tranquilos. A plataforma que transformava donos de carros em motoristas por aplicativo provocou uma reação negativa de organizações de taxistas, sindicatos e políticos simpatizantes ao setor, que protestaram contra a novidade.
Em várias regiões, foram registradas paralisações e até casos mais graves de violência envolvendo taxistas e desafetos da plataforma. Eram comuns pedidos do motorista para que o passageiro não saísse ou entrasse no carro em pontos que “entregavam” que o veículo era um Uber em locais como rodoviárias, por exemplo.
Protesto de taxistas no Rio de Janeiro.Fonte: Tânia Regô/Agencia Brasil
A startup era acusada de oferecer “caronas pagas” e atuar de forma irregular. Além disso, não havia uma taxa ou procedimentos exigentes para os motoristas começarem a rodar, como no caso de táxis. Esses atritos aconteceram em várias partes do mundo.
A Justiça de São Paulo até proibiu o Uber pela primeira vez em 2015 por uma liminar, mas ela foi cancelada uma semana depois. O serviço foi conquistando cada vez mais espaço no Brasil e, no mesmo ano, já eram cerca de 6 mil pessoas dirigindo para atender cerca de 500 mil usuários.
A atual interface do Uber.Fonte: Google Play Store
No ano seguinte, o app passa por um redesign para ficar mais intuitivo e lança novas categorias. Elas incluem o UberPool, para “rachar” corridas com pessoas indo para uma região próxima, e o delivery de alimentos Uber Eats.
O marketing também é pesado em campanhas pontuais e fora do convencional, que viram notícia pelo inusitado. Entram nessa categoria a entrega de sorvetes e também a picape com caçamba de piscina.
Expansão e nova polêmica: o vínculo trabalhista
Em 2017, a Uber tem que lidar com uma concorrência crescente — primeiro com Cabify e EasyTaxy, depois contra Waze Carpool e a até hoje rival 99. Além disso, ela lança a categoria UberSelect, para certos carros a uma taxa mais elevada.
Só que os problemas não param de se acumular. É nesse ano que a Justiça reconhece pela primeira vez o vínculo empregatício entre motorista e a Uber, durante um processo.
Discussão de vínculo trabalhista é luta antiga no app.Fonte: Getty Images/Reprodução
Caso fosse acatada, a decisão obrigaria a empresa a pagar direitos trabalhistas e respeitar a legislação nacional, que incluiria férias, aviso prévio, adicional noturno e outros benefícios.
A empresa acabou vencendo o processo e foram várias as ações judiciais parecidas abertas no país, normalmente terminando em acordo ou com veredito a favor da marca.
A questão é delicada e complexa: o vínculo não é negociado quando o motorista vira parceiro do aplicativo. Porém, a plataforma é um trabalho regular controlado por uma empresa, o que geraria ligação e obrigaria o cumprimento da lei.
Em 2018, o app segue expandido e ganha várias novidades de segurança, incluindo compartilhamento de trajeto e atalho para chamar a polícia. Nesse período, ele bate a marca de 1 bilhão de viagens no Brasil.
O ano é marcado também pela sanção da lei que regulamenta o chamado “transporte remunerado privado individual de passageiros”. Após muito debate no Senado, as empresas conseguiram mudar alguns pontos polêmicos que prejudicariam motoristas e os apps.
Mas a falta de vínculo trabalhista foi sentida principalmente durante a pandemia da covid-19, que começou em 2020. No período, o uso do Uber despenca e motoristas ficam bastante prejudicados apesar de um apoio oferecido pela companhia.
Uber teve que se adaptar na pandemia.Fonte: Uber/Reprodução
Já as novidades do período incluem a implementação e rápido fim do serviço de patinetes elétricos, além do transporte de objetos Uber Flash.
Presente e futuro: consolidação e nova regulamentação
Só no Brasil, segundo a companhia, cerca de 68 bilhões de reais foram repassados aos “motoristas parceiros” de 2014 a 2020. Em 2021, ela adiciona ainda mais categorias, como viagens de moto e opção Prioridade (pagar uma taxa para embarcar antes).
Mas o período também teve momentos difíceis: nesse ano, as corridas encarecem em especial pela alta de combustíveis e reajustes alinhados com a inflação. Como parte da reestruturação interna, o Uber Eats fecha em 2022 e é substituído pelo app de entrega de compras Cornershop.
As entregas foram descontinuadas no Brasil.Fonte: Uber/Reprodução
A mais nova controvérsia é o retorno de um velho tema: a regulamentação dos apps de transporte, que incluem também serviços de entrega como o iFood. O projeto de lei sobre o caso atualmente está em debate na Câmara.
A proposta é transformar os motoristas em “trabalhadores autônomos”, o que resolveria os casos trabalhistas na Justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF) também determinou em 2023 que Uber e motoristas não possuem vínculo empregatício.
Consolidado como principal app de transporte do país e cada vez mais parte do cotidiano do brasileiro, o Uber segue com uma existência tão bem sucedida quanto turbulenta.